O simbolismo de Touro/Escorpião em filme de Angelina Jolie de 2002

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I can’t get no satisfaction

“Uma Vida em Sete Dias” (Life or Something Like It), com Angelina Jolie e Edward Burns, está longe de ser um clássico. É mais um dos filmes que você tira do DVD player e não pensa mais a respeito. A menos que você consiga enxergar simbolismos astrológicos onde menos espera.

I can’t get no satisfaction
I can’t get no satisfaction
‘cause I try and I try and I try and I try
I can’t get no, I can’t get no

(M. Jagger/K. Richards)

Lanie Kerrigan tem a vida que qualquer um desejaria ter. É famosa em sua cidade como repórter, gosta do seu trabalho, tem um padrão de vida invejável, um namorado bonitão e ela mesma é jovem e linda. Sim, é verdade que parece um tanto insegura, mas quem é perfeito? Um belo dia, Hades [1] resolve aparecer na vida dela na forma de um mendigo vidente (foto), que vaticina que ela morrerá no prazo de uma semana. Seria algo que poderia ser desconsiderado, não fosse a capacidade dele de acertar todas as previsões, incluindo os horários em que vão ocorrer. Epa, aqui já temos um bom material para a astrologia: videntes, previsões e morte!

PARTE I: Quem somos nós, humanos?

Do ponto de vista astrológico, podemos considerar a vida de Lanie como sendo bastante taurina: é uma mulher linda, tem conforto material, um suposto preenchimento afetivo e uma sedutora possibilidade de catapultar seu status profissional com um convite para trabalhar em uma emissora de prestígio em Nova Iorque. Ocorre que tudo o que é taurino está sujeito à ação de Escorpião, seu par no eixo zodiacal. Escorpião não gosta de perfeição, ou melhor, da falsa perfeição, e este parece ser o caso da vida de Lanie. Nos bastidores desta vida glamurosa, ela tem vários problemas: um relacionamento difícil e incompleto com a família, um noivo com quem não se comunica de fato, a imposição de nunca relaxar. Nunca estar sem maquiagem, escova e salto alto… diante da vida!

O filme toca em um fenômeno social e cultural da era da tecnologia. Temos uma abundância de recursos – Touro – para todos os males – Escorpião. Prozac para os deprimidos, novos corpos para os insatisfeitos, entretenimento que não acaba mais para os entediados. Vivemos em um ‘tempo de Lanie’, mesmo que isto não seja extensivo democraticamente a todos. Aos que não puderem pagar por comida saudável, há uma profusão de enlatados, embutidos e biscoitos baratos. Entretanto, ter recursos não implica saber como utilizá-los…

Além disso, o grande mercado atual necessita de slogans e vendedores, não importando muito se o que está sendo vendido é falso ou insuficiente. Até a educação seguiu este caminho. Está menos voltada para formar seres pensantes, com uma sólida base cultural e filosófica, do que para jogar pessoas no mercado de trabalho, com pensamentos e condutas padronizados. Assim, estamos mais para cardumes de peixes ávidos atrás dos bens idealizados do que para indivíduos capazes de interpretar o mundo ao nosso redor, e com isto formá-lo ou transformá-lo, mesmo que milimetricamente.

A busca pelo conforto e aparência ideal a qualquer custo é uma distorção do signo de Touro. Como Touro, no eixo zodiacal, estabelece uma relação de oposição e complementaridade com Escorpião, por baixo do afã de ter e parecer, a angústia existencial (algo associado à Escorpião) segue pressionando. Esta angústia é inerente à condição humana, tendo origem na quota de livre arbítrio com a qual cada um de nós nasce. Esta angústia é criativa. É avessa a padronizações e soluções fáceis, pois representa o potencial que cada um de nós tem para fazer qualquer coisa de nossas vidas. E é ela que está por trás do fato de que, por mais condicionantes e limitantes que o homem encontre em seu ambiente, ainda assim o que uma pessoa irá se tornar e fazer é uma incógnita.

Todos os animais nascem prontos, com seus instintos, sua psicologia, seu modo de ser. Já o ser humano é como uma folha de papel: aprenderá a língua e os costumes de onde tiver nascido. Por nascer pronto, o animal é pleno. Seus possíveis conflitos estão ligados às necessidades de sobrevivência e afeto (este último, em especial, no caso dos animais domésticos), e estão muito longe do grau de complexidade que os conflitos humanos podem ter. Além disso, o animal se diferencia do ser humano por ser sempre espontâneo, seja na raiva, no medo ou na fidelidade. O animal também vive no agora. O seu cão choraminga quando o vê sair pela porta, não importa que você faça isto todos os dias e retorne à noite. Só o instante presente existe para ele. Não há depois ou amanhã. O tempo é, portanto, outra invenção humana.

Touro responde por nossa natureza física. Nossa necessidade de sono, alimento. Tem a ver com nossa faceta social, igualmente, pois o ser humano tem maior chance de sobrevivência em grupo do que só. Escorpião, por sua vez, rege todos os instintos, tanto o de sobrevivência quanto o de reprodução. Touro tanto pode ser nossa faceta apaziguada e refinada quanto cega, rude e voraz (um Minotauro). Escorpião também pode ser nosso lado cruel e assassino, tanto quanto pode representar a parte de nós que tem consciência de nossa porção espiritual. Simboliza a parte vazia – porque não preenchida (isto é, não taurina) – que busca os mistérios.

É este ‘espaço vazio’ que responde por nossa criatividade e versatilidade. Que nos fez, no passado distante, confeccionar ferramentas (uma ação taurina), e que hoje nos compele a produzir todos os confortos aos quais todos nós estamos tão acostumados – e, porque não dizer, apegados. Escorpião simboliza o germe espiritual que faz com que qualquer agrupamento humano tenha concepções filosóficas a respeito do mundo. Cultura é algo complexo, que surge tanto de condições físicas (taurinas por excelência), tais como clima e meio e ambiente, quanto dos mitos e visão que cada agrupamento humano cria (impelidos pela consciência de nossa porção espiritual, nascida em Escorpião).

A dualidade, que cinde o homem em físico e espiritual, acaba por dividi-lo de inúmeras formas. Gera infinitas possibilidades, mas traz, igualmente, o risco da cisão destrutiva, quando o homem ataca a si mesmo e a tudo ao seu redor. A dualidade humana leva o ser humano a sempre construir, fazer (uma ação de Touro), talvez porque também não o deixe em paz (uma conseqüência de Escorpião).

Raramente, porém, ele é consciente do que esta dualidade cria em seu interior. Toda construção cultural é como uma argamassa a tentar preencher a rachadura desta divisão. Nesse sentido, religião, consumo, costumes sociais e entretenimento se equiparam. De alguma forma, o vazio que habita o ser humano o faz criar por si e, também, inconscientemente, para se preencher. A dualidade nos transforma em co-criadores, pois onde há unidade não há necessidade de criar. O uno está sempre em paz.

Dualidade é algo que tem a ver com o signo de Gêmeos. Gêmeos surge após Áries [2], o impulso criativo, e após Touro, as necessidades físicas. Impulso criativo e necessidades físicas resultam em dualidade, isto é, Gêmeos. Áries também representa a individualidade, a diferenciação. O ser humano se percebe como diferente de qualquer coisa que exista na natureza. Isto é Áries. Podemos inferir que como Áries precede Gêmeos, o grau de diferenciação, ou melhor dizendo, a consciência desta diferenciação, é proporcional ao grau de dualidade, traduzida em como nos multiplicamos (pelo seu uso positivo, criador) ou nos esfacelamos (pelo seu uso negativo, destruidor).

PARTE II: Em que ponto estamos de nossa história?

Vivemos um momento único na história da humanidade. Ao longo dos séculos, as diversas guerras e conquistas de um povo por outro, assim como o incremento da tecnologia, foram causando uma progressiva uniformização cultural. Esta uniformização hoje se traduz como a valorização extrema da tecnologia e do consumo. Este é o ponto em comum, atualmente, entre todos os povos. Um japonês pode ser diferente de um brasileiro em uma série de quesitos, mas ambos querem se conectar a Internet, ter o último modelo de celular e adquirir bens. Os anseios são os mesmos. O Oriente está querendo consumir tanto quanto o Ocidente.

Mas algo paradoxal ocorre: quanto mais uniformizada a sociedade, maior tem sido o apelo pela diferenciação. A propaganda de cigarro é dirigida a milhões de pessoas, mas diz que você é especial por escolher aquela marca de cigarro. Você (e não milhões de pessoas que também fumam aquele cigarro) tem estilo e personalidade. Você é, portanto, alçado a um grupo seleto que nada tem de seleto. Este é o maior truque de marketing: fingir que individualiza, quando, no fundo, pretende massificar, pois precisa agregar mais e mais consumidores. Nunca fomos, ao mesmo tempo, tão uniformizados (pelo progressivo apagamento das diferenças culturais) e pseudo-individualizados (pelos apelos da propaganda).

Somos bombardeados pela propaganda sem perceber. Ela nos inculca valores, necessidades, sedes, manipulando nosso imaginário. Criamos esta ‘máquina’, talvez como mais um sedativo para a consciência da cisão que até agora não conseguimos enfrentar ou para a qual não conseguimos encontrar soluções satisfatórias. Esta máquina faz de cada um de nós um ‘marqueteiro’. Hoje é quesito de sobrevivência proclamar alguma coisa a respeito de si próprio, destacar-se na massa, que, ironicamente, só faz aumentar, com uma população que a Terra nunca teve antes.

Vivemos no tempo do ‘eu’. O ‘eu’ tem de fazer muitas coisas, ser belo e bem sucedido, eternamente jovem e potente (um congelamento do arquétipo de Áries). O mundo era mais ingênuo quando se tinha de usar perucas brancas e seguir os costumes. Se você não fosse nobre, nem perucas precisava usar. Os especiais eram os que tinham nascido no grupo social destinado a isto. Regras simples.

Hoje, quem tiver acesso ao dinheiro já pode ser especial, pois pode comprar o que vai permitir que seja especial. Há mais democracia no ‘ser especial’, pois não é preciso ter berço. Nunca a diferenciação foi tão procurada por tantos ao mesmo tempo quanto agora. Ocorre que quanto mais diferenciação (Áries), maior é o apetite por coisas (Touro) e maior é o aumento da dualidade (Gêmeos), traduzida, no seu exagero, por uma dose muito maior de dúvidas e angústia. O ser humano médio é mais angustiado hoje do que o do passado. Talvez ele fosse mais infeliz no passado, se tivesse nascido em uma classe social escrava ou quase isto, mas não era angustiado. O poder de sua vida não estava em suas mãos. Hoje está, mas ele não sabe o que fazer com isto.

A sociedade muito individualista incrementou exageradamente o consumo e a busca pelas aparências (distorção de Touro). Só que isto foi encobrindo a natureza espiritual e profunda que mesmo o mais superficial dos homens tem. Todo ser humano tem um pouco Escorpião dentro de si, pois toda pessoa, mesmo a mais simples, é complexa.

A sociedade de consumo e aparência ocupa o lugar que a religião e os bons costumes já tiveram em outra época no sentido de dar uma ordem, um caminho a seguir. Mas Escorpião representa a parte de nós que não quer seguir caminho algum, ou melhor, que precisa seguir um caminho interno, o qual não é ditado por fórmulas coletivas. A exacerbação de Touro (ter, consumir, parecer) é uma tentativa de fugir de buscar as respostas profundas (tarefa que a raça humana tem considerado muito difícil), e, para evitar isto, tenta sedar, uniformizar as pessoas, vender sonhos prontos de felicidade, e, em seus extremos, empanturrar, drogar, embrutecer e emburrecer.

Quando o filme “Matrix” foi lançado fez retumbante sucesso e chocou justamente por, de alguma forma, mostrar isto: o quanto achamos que temos livre arbítrio (o personagem Neo, no início do filme) e o quanto estamos, no fundo, presos e escravizados aos mandamentos sociais, também uma expressão exagerada do signo de Touro. Touro representa o bom senso e o que possa agregar – sendo tudo isto necessário ao convívio social – mas também pode simbolizar as mãos de ferro que nos tornam todos iguais, em nosso desejo de consumir e na compulsão de julgarmos uns aos outros. Tudo em prol da competitividade (distorção de Áries, signo anterior a Touro).

A grande questão é: onde isto irá parar? Principalmente se produzimos mais do que precisamos e se não nos importamos com o que estamos fazendo ao sistema ecológico da Terra. Além disso, a ‘indústria da felicidade’, com suas soluções pasteurizadas e de cunho material, parece existir para amenizar a angústia, mas, ironicamente, acaba por aprofundá-la, na medida em que nega a faceta mais profunda que nós temos, reduzindo-nos a meras cascas de aparência, destinadas a ‘funcionar’, a fazer sucesso ou não. Há pouco espaço para o fluir, usufruir de fato e ser autêntico. Quanto mais este lado menos competitivo da natureza humana (que deseja se integrar com a natureza) é abafado, mais desordem social é criada, pois a gula (Touro negativo) nos torna violentos e cruéis (Escorpião negativo). O ser humano hoje se revolta quando não tem algo, quando não é algo. Mas ele quer exatamente o quê? Ser o quê? Chegar aonde? Qual é realmente seu fim?

PARTE III: O que VOCÊ está fazendo da sua vida?

Tenho uma condescendência com a humanidade, pois dela faço parte. Eu creio que quem dorme um dia acorda. Que quem está louco um dia fica lúcido. Um dia, não sei quando, mas um dia.

Voltando, finalmente, ao nosso filme, Lanie é um ótimo exemplo do automatismo a que estamos sujeitos. Toda a vida dela, assim como a de milhares de pessoas, é construída em cima da aparência e da necessidade de se provar frente aos outros. A diferença entre obter sucesso ou não é pequena, porque qualquer conquista humana é instável e relativa, pelo simples motivo de que acaba no túmulo.

I cant’t get no satisfaction, um rock que fala de insatisfação e frustração, foi o grande sucesso dos Rolling Stones em 1966.

Eu posso ter sido Alexandre, o Grande, e um dia morri. Deixei meu nome nos anais da história, mas eu morri. Só a morte (regida, diga-se de passagem, por Escorpião) percebida em vida pode dar a exata proporção [3] das coisas, a de nem minimizar obras e conquistas, nem tampouco supervalorizá-las. Tudo do tamanho que tem de ser. Individual e coletivo a um só tempo. Michelangelo deixou um lindíssimo Davi. Se o mundo não for destruído, Michelangelo será lembrado. Todavia, mais do que ser lembrado, ele fez, ele realizou. Podem tomar de Michelangelo a notoriedade, mas não é possível tirar o que ele fez naquele tempo e espaço. Assim como não é possível tirar o que você está fazendo exatamente agora, ainda que o que você esteja fazendo venha a ser esquecido e sequer notado. Entretanto, nascidos do impulso individual (Áries), o que mais tememos é o esquecimento e o anonimato, pois isto nos anula, nega a nossa existência única. Quando nossa vida cotidiana está caminhando para algum grau de anonimato, desintegração ou esquecimento, isto é para nós pior que a morte, é causa da mais suprema angústia.

É o que Lanie experimenta no filme e é o que, quer saiba, quer não, você já experimentou ‘n’ vezes. Com o vaticínio de morte, a vida de Lanie, tão belamente construída, começa a se desintegrar. Quantas vezes você não se desintegrou e se refez quando perdeu algo ou alguém, quando foi duramente golpeado, quando sofreu uma mudança brusca? E quantas vezes não o consome o medo de se desintegrar, de perder uma posição, dinheiro, segurança, afeto? Quantas vezes você não morre, em pensamento, em sentimentos, em temores, em acontecimentos da sua vida?

Estranhamente, momentos assim, tão repelidos e afastados, muitas vezes parecem nos aproximar um pouco mais da nossa essência e nos tirar da loucura robotizada que socialmente nos acomete. Em um primeiro momento, quando Lanie descobre que o vidente não erra e que ela vai, de fato, morrer, ela resolve destruir um pouco. No caso dela, isto se traduz em encher a cara, comer à vontade, deixar de lado o fardo da aparência perfeita e da incrível compulsão em agradar os outros. Ela passa a buscar algum tipo de satisfação interna (prazer), ao invés de apenas externa (aprovação e reconhecimento). Finalmente outra forma de experimentar Touro! Pois os signos não possuem uma só representação e uso.

Tendemos a achar que depois do caos só pode haver mais caos. De fato, é o que aparenta ser. Quando um artista da mídia é descontrolado, mais descontrolado vai ficando, conforme os exemplos de duas mulheres notórias, Britney Spears e Amy Winehouse. Mas se a pessoa conseguir procurar algo em meio ao caos parece haver uma saída. Assim, ao mesmo tempo em que destrói, Lanie tenta fazer algo de válido. Aproxima-se mais da sua família, tem um diálogo mais franco com sua irmã. Tenta conhecer melhor seu colega de trabalho, por quem sempre se sentiu atraída. Ao invés de ficar somente na aparência, Lanie começa a buscar um pouco a essência. Suas posses, sua beleza, sua fama infelizmente serão inúteis até a quinta-feira em que irá morrer. A única coisa que será real para ela será o que ela viver, o que disser, o que experimentar. A marca que imprimir em si mesma e nas pessoas ao redor.

 Lanie não faz nada de notável. Não sai para fazer nenhuma loucura, não vai curtir seus últimos momentos em alto estilo. Não tem intenção alguma, a não ser aproveitar o tempo que lhe resta com alguma coisa que acrescente algo a ela, ou em que ela possa acrescentar algo a alguém. É, portanto, o processo de morrer que faz algo nela. Isto contraria a idéia de que tudo tem de ser acionado por nós. Estamos, atualmente, muito yang, isto é, voltados para a ação. Em um certo nível, Escorpião, o caos e a angústia, é a ligação com a natureza. Tem um componente intuitivo e instintivo, e, portanto, também passivo (yin) muito forte. Na vida, não só fazemos, como somos feitos, afetamos e somos afetados, deixamos obras e absorvemos as alheias, nos lapidamos e somos lapidados.

A partir do contato com a morte iminente, vai emergindo lentamente uma outra Lanie, completamente desconhecida para a própria protagonista, e até para o espectador. Não é nenhuma Lanie sensacional, grandiosa, boa ou inspirada. É apenas uma Lanie real, interessante, “viva”, mais profunda do que a rígida caricatura em que ela se transformara nos últimos anos.

Talvez seja mais uma mensagem de que não precisamos ser ‘super’. De que o que somos já é suficientemente bom, ainda que não reconheçamos isto. Ainda que as mensagens sejam sempre o contrário: seja mais, prove-se, supere os outros, seja melhor do que eles. O filme também fala sobre perfeccionismo, e o quanto ele pode ser uma doença. A doença de querer construir tudo segundo um padrão externo, para os outros verem. Nós nos vigiamos mutuamente segundo estes modelos: não estou tão bom, o outro está melhor, eu estou melhor do que o outro, etc.

O novo ‘eu’ de Lanie não emerge de um esforço deliberado de ser outra pessoa. Ela já fracassou (ao ter esta sentença de morte) tentando ser a Lanie montada e perfeita. Que outra personalidade poderia forjar? O afrouxamento que ela faz é um sintoma depressivo e de perda de sentido, que contraditoriamente, sem que ela perceba, a lapida, a reinventa e a devolve para si mesma. Quando ela desiste de ser qualquer coisa, passa a ser Lanie. Quando  desiste de querer controlar os resultados, ela começa a acertar. Interessantes estas mensagens, não? Quanto delas poderíamos aplicar em nossa vida? Não estaríamos todos nós em correrias desabaladas tentando alcançar algo fora de nós mesmos, como Lanie? Por que nunca achamos que a resposta para os nossos dilemas está exatamente dentro de nós, agora, na forma de nossos sentimentos e instintos (Escorpião)? Quando seremos realmente felizes, e o que é ser feliz? Do que depende a felicidade? Quando você responderá a estas perguntas para si mesmo?

A cena mais marcante do filme é quando, bêbada, Lanie lidera operários grevistas a cantarem a música dos Rolling Stones, Satisfaction. É um paradoxo que ela cante, até então, o que era a real história da sua vida (“I can’t get no satisfaction”), mas de uma forma repleta de prazer e satisfação. Isto é o Touro real. Achamos que Touro são as coisas forjadas, montadas, perfeitas. Touro é o prazer real. Touro só existe, de fato, a partir de Escorpião, que representaria a verdade, a autenticidade. Uma Lanie cheia de prazer canta que não tem satisfação… e está cheia dela. A anterior dizia que tinha satisfação, e não tinha praticamente nenhuma. Está próxima da morte e está linda, ainda que não esteja maquiada ou produzida. Algo (e que não é apenas álcool!) a anima a partir de dentro e faz com que, finalmente, sorria abertamente. Sorria com os olhos, e a alma.

greve

Jogar com opostos é algo típico de Escorpião, signo da morte, dos videntes, das coisas ditas estranhas (talvez como este texto, que viaja em cima de vários conceitos, como um tapete voador feito de retalhos). Para Escorpião, a crise pode ser a redenção. A morte, a vida. O caos é, ainda, a intervenção da ordem. Quando você perder, poderá ganhar. Um dia, um vidente mendigo poderá bater na sua porta e anunciar o seu fim. E o seu fim poderá ser o seu começo…

NOTAS:

[1] Hades é um outro nome para Plutão, que na astrologia é o planeta relacionado à morte e às grandes transformações.

[2] Áries é um signo regido por Marte, tanto quanto Escorpião. Ambos os signos são, portanto, criativos, pois Marte é energia, dinamismo, ação.

[3] Proporção, por sua vez, é um conceito venusiano. Vênus é o regente de Touro e Libra. Vênus rege a beleza, a harmonia, a proporção.

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