Heleno de Freitas, o jogador de futebol antogonista de si mesmo

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HELENO, ANTAGONISTA DE SI MESMO

Garrincha, ídolo do Botafogo, morreu pobre, mas foi inscrito na História, ultrapassando as próprias fronteiras do Brasil. Heleno de Freitas, que brilhou no mesmo clube cerca de uma década antes, foi uma celebridade no seu tempo, e é um nome respeitado dentro do universo futebolístico, mas quem está distante deste circuito talvez não saberia da sua existência se não fosse pelo filme “Heleno”, protagonizado por Rodrigo Santoro. E ironia das ironias: o jogador fez de tudo para ser um grande craque (e foi) e deixar seu nome para a posteridade, mas foi como se tivesse perdido um último pênalti. Resta saber o porquê.

Ao terminar de assistir “Heleno”, fiquei pensando sobre o mapa de uma pessoa capaz de, literalmente, dar um tiro no seu próprio pé – e de jogador de futebol, o que é ainda mais sério.

Uma pessoa para quem o corpo estivesse a serviço de uma paixão, contando com ela como uma amante capaz de sustentá-lo. Mas se as paixões não sustentam sequer a si mesmas, que dirá, então, corpos castigados por éter, nicotina, lança-perfumes ou sífilis, como o do polêmico e brilhante jogador Heleno de Freitas, morto em 1959.

Segundo seu biógrafo, Marcos Eduardo Neves, o craque era “temperamental como Edmundo, bonito como Raí, mulherengo como Renato Gaúcho, artilheiro como Romário, boêmio como Ronaldinho Gaúcho, inteligente como Tostão, de boa família como Kaká, elegante como Falcão e problemático como Adriano”. Acabou por pagar o custo de ser tantos em um.

Jogador aristrocrata

Heleno tem nome de mito grego. Em Tróia, sua homônima feminina causou um estrago, e assim ele também fez por onde passou. Para cada gol miraculoso, toda uma epopéia de destratos, surtos, farras e declarações provocativas.

Era um tempo em que jogar futebol não era uma carreira milionária como hoje, em que o sucesso também depende da construção de uma imagem, vinculada a inúmeros patrocínios. Jogava-se pelo emprego ou pela raça e necessidade de brilhar, sendo este último caso exatamente o de Heleno de Freitas, que ganhou a alcunha de “Príncipe Maldito”.

Nascido em 12 de fevereiro de 1920, filho de um abastado dono de um cafezal e de outros negócios,  bacharel em Direito, Heleno tinha berço, elegância e arrogância aristocráticas. Era conhecido pela postura física impecável, dentro e fora dos campos. Tanto que o ator Rodrigo Santoro, para simular-lhe a leveza e agilidade, precisou tomar aulas com um bailarino.

Vênus, o planeta da estética, ocupa o signo de Capricórnio no mapa de Heleno, que gostava de se vestir bem e era tido como um jogador de futebol com pinta de ator hollywoodiano. Tinha gostos refinados, como jazz, Dostoievski, Shakespeare. Este posicionamento também lhe infundiu um acentuado amor à carreira, somado a outros fatores, o que muitas vezes fez seu casamento e vida familiar ficarem em segundo plano, rivalizando com sua proverbial faceta farrista. Na época em que Heleno viveu, era isto que se esperava de um homem, que fosse capaz de prover sua família, mas que tivesse sua cota de prazer fora dela, o que no caso de Heleno era bem grande, extrapolando qualquer medida razoável.  Os homens também era mais brigões, turrões, uma acentuação de Marte.

O jogador era conhecido pela postura física impecável, dentro e fora dos campos

No filme, a mulher que se tornou a sua esposa sofre até o fim da vida do craque a dúvida se foi ou não importante para o marido. Nas palavras do seu biógrafo: “para o Heleno, a coisa mais importante do mundo era ele. Ele e o Botafogo. Azar se tinha filho, se tinha mulher. Era um cara sozinho, solitário. Ele ficou louco, e a mulher percebeu isso. Fugiu até para preservar o filho.”

Nota: Os dados constam da p. 14 da biografia Nunca houve um homem como Heleno (NEVES, Marcos Eduardo. Ed. Ediouro), “Enquanto Dona Miquita dava à luz um novo rebento, na chácara da família, aos 20 minutos do dia 12 de fevereiro…”. A versão original deste artigo foi publicada apenas com uma carta solar. A informação correta foi passada alguns dias depois por Marcos Pelegrini, através da lista de discussão Databrasil.

Os ares de nobreza, o Direito, a origem abastada e o estilo arrogante e confiante nos lembram um filho de Júpiter, e quando vamos procurá-lo no mapa de Heleno vemos este astro no signo de Leão, formando uma aliança estreita com o idealista Netuno. Em Heleno, esta conjunção o levou aos céus, onde brilhou como um Sol (Leão), mas também lhe derreteu as asas de Ícaro antes que pudesse completar 40 anos. Nenhum aspecto astrológico do seu mapa o explica mais do que esta conjunção, que o engoliu inteiro, complementada por uma apimentada quadratura com Marte em Escorpião. Eis o porquê do apelido de Príncipe (Leão) Maldito (Escorpião).

Júpiter e Netuno: Ìcaro voa, mas também cai

Júpiter e Netuno lhe insuflavam um amor apaixonado e sem limites ao esporte, regido, afinal, por Leão, signo dos hobbies e das coisas não necessárias, mas que fazem a alegria do povo – e a celebridade de quem o alegra. A este amor – segundo alguns, doentio – combinava-se, por quadratura, a força, energia e garra fornecidos por um Marte domiciliado em Escorpião. Eis que encontramos uma mistura de loucos capazes de amar até o fundo da alma e também destruírem tudo o que vêem pela frente – não importando que o alvo sejam os próprios pés.

Nesta quadratura temos toda a essência de sua imensa energia como jogador, mas também de todos os seus excessos, da egolatria à boemia. Marte em Escorpião não precisa de nenhum aditivo para ter paixão, mas aqui ainda se aglutina com Júpiter e Netuno, em um resultado sem limites e explosivo em todos os sentidos, capaz de compor a faceta de herói (Leão) que ora se junta aos deuses, ora os desafia. Enche-se de Eros e dribla Tanatus, querendo arrogar para si poderes que não lhe cabem, e que, por amor à glória (Leão), os toma emprestados até que eles mesmos o exaurem (Marte em Escorpião, a morte).

Os deuses gregos nunca brincaram em serviço. Nunca houve nada grátis e que tenha ficado impune no reino do Olimpo, quanto mais o brilho desmedido do talento e também da vaidade, e da paixão cega com que Heleno usou esta configuração do seu mapa. Era um caso típico de viver somente no presente, consumindo a si mesmo como um cigarro, e por isto teve sua vida ceifada antes da maturidade.

Esta configuração também é bastante arquetípica da sífilis, doença que abreviou sua carreira e matou-o. Marte em Escorpião já é sexualizado, e com o incentivo de Júpiter transmuta-se em garanhão, contraindo, com Netuno, uma bactéria que pode levar a total loucura como a sífilis, diagnosticada, no caso do jogador, em estágio avançado.

O jogador com cara e postura de galã de cinema (eis novamente o glamour de Júpiter e Netuno em Leão) era uma alma zangada (Marte em Escorpião) com a mediocridade, em uma aversão típica da junção de Júpiter e Netuno no idealista signo de Leão. Conhecido pelo seu perfeccionismo (Saturno em Virgem), só aceitava o máximo (Júpiter/Netuno) e reclamava dos jogadores que só jogavam por dinheiro e dos dirigentes cuja último interesse era o próprio clube.

Idealismo no futebol

Heleno queimava e rasgava dinheiro se preciso fosse em nome da camisa. Por isto, talvez tenha ganho o epíteto: “nunca houve um jogador como Heleno”. Realmente, não houve, nem haverá, ao menos não neste quesito financeiro. Helenos loucos, abusados, abusivos, mas idealistas só nascem uma vez a cada milênio.

Era bom cabeceador (Marte, regente da cabeça, em domicílio) e também falava as coisas na cara. Nada a estranhar se considerarmos que o Sol e Mercúrio estavam próximos do imprevisível Urano. A conjunção Mercúrio/Urano, também lhe dava um raciocínio e movimento ágeis como os de um bailarino, pois Urano, que governa Mercúrio em Aquário, está em Peixes, signo que rege os pés. Tudo isto somado a uma imensa vontade (Marte em Escorpião) focalizada na precisão do que precisava fazer (Saturno em Virgem) o converteram em um jogador de futebol brilhante, um goleador. Conseguiu a impressionante marca de 209 gols em 235 jogos nos oito anos em que foi o principal jogador do Botafogo.

Franqueza suicida no exercício da profissão

Heleno de Freitas sempre fumando. No filme, a bizarrice de acender na boca dois cigarros ao mesmo tempo.

A Lua transitava entre Escorpião e Sagitário no dia do seu nascimento.  Sou mais pela primeira hipótese, pois Heleno, muitas vezes, tinha gênio intratável (uma possibilidade desta Lua) e muita dificuldade em ser diplomático e compactuar com o que não concordava. Não lhe importava ficar mal com os outros: estava sempre apontando os “reis nus” que ninguém queria notar, tampouco denunciar.

Segundo seu filho, com quem o atleta não conviveu, o pai “foi uma pessoa difícil de se lidar, fácil de se amar, fácil de se odiar. Ele era oito e oitenta. Ou se gostava dele, ou não se gostava. Ele falava o que vinha na cabeça e não se preocupava com a dor dos outros. Ele teve o temperamento de um gênio. Foi um cometa.” Uma ótima descrição para uma Lua e Marte em Escorpião e uma conjunção dissociada de Sol e Mercúrio em Aquário com Urano em Peixes. Urano: talvez o planeta astrológico com significado mais parecido com o que seria um cometa e que costuma ser identificado com os gênios.

Além disso, uma Lua escorpiana faria quadratura ao Sol e Urano em Aquário, signo que rege os grupos e equipes: a vida inteira, Heleno foi um estranho no ninho, um solitário (Escorpião). O seu calcanhar de Aquiles sempre foi a dificuldade em se integrar com os grupos (Aquário).

Sua relação com as figuras de autoridade também era altamente problemática, o que bem pode ser um sinal de ambos os signos. Heleno não as respeitava e era incapaz de bajulá-las. Como arrogante herói, acreditava unicamente no seu brilhantismo e competência técnica, naquilo que sabia fazer com uma bola. E ponto.  Achava que assim funcionaria o mundo.

A marca de um gênio

Mas o que há de especial e comovente no mapa de Heleno é um poderoso trígono no elemento Água, unindo Marte em Escorpião, Urano em Peixes e Plutão em Câncer. Paixão, determinação, força, estilo e originalidade.

O filme mostra um Heleno altamente concentrado na hora do jogo e totalmente entregue ao que fazia, com uma seriedade beirava o patológico. Não fossem seus vícios, que eram muitos, só pensaria em futebol, ou talvez tenha sido sua adição em futebol que o tenha levado a outras.  Era preciso viciar-se (Netuno) para ser um rei permanente (Júpiter em Leão) e manter a confiança e autoestima elevadíssimas de uma maneira irreal (Netuno), ligadas a um motor de funcionamento obsessivo e incessante (Marte em Escorpião), que o impulsionava constantemente na busca da ultrapassagem dos seus próprios limites (Júpiter). Ele não era uma pessoa, e sim, um jogador de futebol, em uma perigosa identificação muito comum às celebridades.

Peixes, onde Heleno tinha Urano conjunto ao Sol aquariano, é reconhecidamente um signo ligado ao tema dos vícios e da transcendência e também do azar e do sacrifício, todas estas marcas registradas do craque.

Urano em Peixes: uma paz que nunca vem, uma redenção que nunca chega, uma missão que nunca termina e que se interrompe (Urano) antes do final. Uma mensagem subliminar (Peixes) de que é mais importante amar o futebol (Peixes também) do que viver, brilhar do que ter uma vida calma, se prejudicar do que pedir aprovação. Autoimolar-se, sabotar-se, se preciso for. Viver boa parte do tempo fora e abaixo da linha da consciência, mas na suposição de estar acima (ilusão).

 Rodrigo Santoro e Heleno de Freitas

Para brilhar no altar do sacrifício da vida de Heleno, um ator leonino: Rodrigo Santoro, cujo Sol está conjunto a estrela real Regulus (e oposto ao Sol de Heleno) e a Lua em Peixes, em quadratura com Netuno, oposição com Vênus em Virgem e quadratura com Marte em Gêmeos. Pronta para, por ofício (Vênus em Virgem), emprestar seu corpo e energia (Marte) a um jogador de futebol (Marte), sentir o que ele sentiu, simular o que ele viveu, misturar-se a ele (Peixes e Netuno) e sorver sua tragédia até o fim, 12 quilos mais magro de fome.

Para entender a missão de Heleno, eis que Rodrigo nasceu com o mesmíssimo Nodo Norte no apaixonado signo de Escorpião, a apenas 5 graus de conjunção do seu protagonista.

Segundo o site Ego Astral, Santoro teria um Meio-do-Céu em Aquário e isto corrobora os dados fornecidos pela astróloga Hanna Hopitz. Nesta hipótese, a casa dez do ator estaria alinhada ao Sol, Mercúrio e Urano de Heleno, em uma profunda ressonância com o personagem interpretado.

Rodrigo foi Heleno, e seu Júpiter em Áries de casa doze (o atleta guardado dentro dele) compreendeu o desejo de grandiosidade do Júpiter/Netuno em Leão de Heleno, enquanto que sua Lua em Peixes teve compaixão pela atormentada Lua em Escorpião do ídolo botafoguense, pela forma como ele se destruiu e  se desmilinguiu em vícios e mau comportamento.

 A ferida do idealismo exacerbado

“Heleno” foi lançado em 2012, quando Netuno acorda o Urano pisciano de Heleno e Urano transita em quadratura com Plutão natal, ficando também conjunto a Quíron em Áries, tocando, a meu ver, em um outro ponto nevrálgico deste mapa.

As provocações de Heleno, suas confusões, muitas vezes encobrem a lástima maior para uma pessoa dedicada a uma paixão: a impossibilidade de concluir sua missão, seja por ser barrada por fatores fora de controle ou, quando as oportunidades chegam, por formas tortuosas e inconscientes de autossabotagem.

Como exemplo do primeiro caso, temos, na década de 40, o auge da carreira de Heleno, o cancelamento de duas Copas do Mundo. Contabilize-se também na conta do azar o diagnóstico tardio da sífilis, que agravou o temperamento já destemperado do atleta, e de tal forma pisciana que não era possível distinguir muito bem o Heleno doente do são.

Em 1950, quando a seleção brasileira disputaria uma final histórica no novo e portentoso Maracanã, um Heleno ainda mais rebelde pelos anos de fama, farra e abuso de éter e lança-perfume, deixou de ser escalado por motivo de indisciplina. Há um elemento muito trágico em uma pessoa tão apaixonada deixar de participar do evento máximo daquilo que ela pratica.

Aqui vemos Quíron no individualista signo de Áries em quadratura com Plutão, que representa o poder. Quíron é a ferida, que, no caso de Heleno, era causada pela absoluta recusa em se render ao poder e ao sistema (Plutão), como se pudesse estar sempre independente de tudo, brilhando pela sua própria estrela.

Quíron em Áries: sempre no começo, sempre reiniciando, e nunca concluindo. A máquina que cria e destrói a si mesma (Quíron em Áries em quadratura com Plutão), em um processo compulsivo e inconsciente. O herói ferido (Quíron) por suas próprias mãos (Áries).

Bem se vê no mapa de Heleno que o elemento Fogo dotou-o regiamente de vitalidade, carisma e autoconfiança, tão necessários a um atleta. Que Júpiter e Netuno em Leão lhe legaram um presente em forma de talento. Mas que tudo isto consumiu-se no fogo da vaidade (Leão), imprudência e imaturidade (Áries). Uma mistura linda de talento e idealismo, mas para a qual faltava a sustentação da Terra ou do bom senso de Saturno. Neste elemento, além de Vênus, Heleno tinha Saturno retrógrado em Virgem, que imprimiu nele técnica e precisão, mas nenhuma habilidade estratégica para além dos campos. Era um gigante (Júpiter) em meio a pigmeus, com a total imprudência de lembrar-lhes sempre disso.

O fado do reinício (Quíron em Áries) e da ausência de conquistas finais também aparece sutilmente no fato de que, apesar de ter feito duas centenas de gols pelo Botafogo, o time só se sagrou campeão estadual depois que ele foi vendido ao Boca Junior, sendo que mais tarde não quis mais receber o jogador.

Heleno de Freitas também foi contemporâneo da conclusão do maior estádio brasileiro. No entanto, só pisou nos gramados do Maracanã por 25 minutos, já desfocado e alquebrado pela doença, terminando por ser expulso por colegas de time a quem ofendeu. Assim, o talento não se sagrou na vitória e no reconhecimento finais.

“Heleno” emociona porque coloca lado a lado, inclusive na sua montagem, ascensão e queda, força e fragilidade, gênio e ingenuidade.

Disse seu filho: “Se meu pai parasse de jogar, morreria. Quando ele acabou para o futebol, também acabou para a vida”.

Heleno: abençoado pela vida (Júpiter), amaldiçoado por si mesmo e eternizado por sua própria tragédia.

Artigo publicado em novembro/2012.

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