Rompendo a Barreira dos Sete Planetas – Parte II

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Ainda estamos aprendendo a lidar com as energias dos três ‘novos’ planetas descobertos

Durante muito tempo, a astrologia funcionou apenas com os sete planetas visíveis a olho nu. É muito recente a descoberta dos planetas após Saturno. E, como se não bastasse isto, estes planetas representam energias de, digamos assim, difícil manejo. Podemos dizer que as energias (ou temáticas) de todos os planetas anteriores a Saturno, o que o inclui, são acessíveis a todos os indivíduos comuns. Talvez possa haver diferenças de compreensão, de clareza quanto ao melhor uso destas energias, mas cada uma delas pode ser compreendida pelo senso comum. Não é difícil compreender o impulso marciano, o erotismo e a sedução venusiana ou a sede expansiva de Júpiter. Até Saturno, tudo tem uma motivação voltada para a satisfação do indivíduo. Nem sempre este resultado é atingido (o impulso de Marte, por exemplo, pode se voltar contra a própria pessoa), mas o propósito existe. A partir de Urano, porém, há uma entrega a um processo muito mais impessoal, no qual a segurança do indivíduo é propositadamente colocada em risco. É como se ele se submetesse a forças maiores, confiando que elas, de um modo ou de outro, iriam colocá-lo no caminho certo. Isto, porém, quase sempre é algo inconsciente. Seria mais ou menos como se, simbolicamente, o indivíduo convocasse sem querer forças que não conhecesse, mas das quais ele estivesse necessitando. E ele faz isto em momentos em que os limites de sua vida (representados por Saturno) se tornam insuportáveis para si mesmo.

Os astrólogos conhecem bem este mecanismo de convocação de forças. Vamos dar um exemplo qualquer de um destes mecanismos. Suponhamos uma pessoa que exerça forte controle sobre tudo e todos que a cercam. Suponhamos que esta pessoa tenha uma obsessiva necessidade por perfeição, e se identifique com uma imagem de si mesma sempre correta, maravilhosa, etc. Esta pessoa está atraindo para si mesma o deus Plutão, isto é, algum processo de catarse que faça com que o lixo que vem sendo totalmente escondido venha à tona. Então, de repente, sobrevém uma grave crise financeira (um dos modos prediletos de Plutão se fazer notar), e isto gera uma série de problemas em seu mundo perfeito. Pode-se dizer que, conscientemente, ela não queria viver isto Entretanto, inconscientemente, partes dela mesma podiam estar ávidas para passar determinados assuntos a limpo. Talvez toda uma infância mal resolvida, escondida por detrás do perfeccionismo extremo. Há algo, também, inconfessável nas crises de Plutão: um desejo de sermos testados, e testarmos todo o nosso mundo. E Plutão realmente irá testar, fazendo com que tudo o que estava oculto – seja lá o que for – se revele.

Urano, Netuno e Plutão parecem ser os planetas não mais a serviço do EGO do indivíduo, e sim, de seu psiquismo, de uma parte de si mesmos que transcende os núcleos de seus egos. E, naturalmente, a primeira coisa que estes planetas fazem é desafiar o ego, e toda a arrumação que ele faz. O ego tem a pretensão de achar que sabe sempre o que é melhor para si mesmo, mais ou menos como os pais acham que sabem o que é melhor para seus filhos. Entretanto, é fácil constatar como o ego erra em seus julgamentos quando avaliamos outras pessoas. Nós sabemos quando alguém não está fazendo o melhor para si mesmo, mas nós mesmos não sabemos quando nós não estamos fazendo o melhor para nós mesmos. É irônico, não? Somente mais tarde, livres daquele ego antigo, é que perceberemos isto. O ego tem limites, tem pontos cegos. Antes, porém, que se coloque o ego como vilão, a natureza dele é, de fato, criar uma unidade, uma coerência. Ninguém pode se mover na vida sem a noção de propósito e unicidade que o ego proporciona. O ego é também a vontade, o querer e as escolhas que fazemos de maneira consciente. Entretanto, há uma força contrária a ele – justamente representada pelos planetas transaturninos – que serve para abrir perspectivas. É como se a energia destes planetas pudesse penetrar na casca do ego, rompendo-a e fazendo com que ele se possa se expandir. Ele novamente irá se fechar em alguma casca, até que uma nova força atue e o obrigue a um crescimento. É por esta razão que a vida é desafiante. De tempos em tempos, somos convidados ao crescimento, que não ocorre sem a remoção daquilo que não serve mais.

É isto que estes planetas fazem, e por isto são tão temidos, a ponto de serem visto como meros produtores de eventos, totalmente desligados da consciência do indivíduo. Esta visão mecanicista dos trânsitos (*) de Urano, Netuno e Plutão vem de um modo muito antigo de se praticar astrologia, e que ainda tem profundas raízes hoje. É muito forte o vício do astrólogo – o que inclui mesmo aqueles que percebem isto como um vício – de falar dos trânsitos destes três planetas em termos impessoais, até porque esta linguagem é, em boa parte, útil. É útil dizer ao cliente que passa por trânsitos de Netuno que se acautele contra enganos, traições, negligências, ou coisa semelhante. Ele realmente pode viver isto. Mas é bem mais difícil explicar que Netuno só trará à tona seus próprios enganos, ilusões, expectativas ou passividade. É mais complicado dizer que ele talvez esteja buscando experiências de vulnerabilidade ou de perda de controle como forma de viver seu lado mais sensível, intuitivo, transcendente. O trânsito de Netuno tem uma função de ampliar a capacidade emocional. E não apenas isto, como também o canal com o divino. Isto não é possível de ser feito se a sensibilidade está cristalizada. É por esta razão que Netuno vulnerabiliza. É para abrir um espaço.

Já o trânsito de Plutão faz com que a pessoa entre em contato com conteúdos como raiva e força, suas e de outrem. Há sempre desafios nos trânsitos de Plutão, sejam eles físicos, financeiros, estruturais ou emocionais. E o trânsito de Urano? Ele nos faz ir galopantemente em direção a um crescimento que jamais teríamos coragem de experimentar normalmente, mas não sem antes mexer drasticamente em algum esquema viciado e conhecido.

O grande problema é que, ainda hoje, tendemos, na prática, a não ver os trânsitos destes planetas como intrínsecos ao psiquismo de cada um. Mesmo os astrólogos conscientes desse fato ainda algumas vezes esbarram em uma visão externa dos trânsitos (não só destes transaturninos, mas também dos outros). Isto quando não olham seus próprios mapas e se perguntam: o que é que Saturno irá fazer comigo?. Ainda achamos que algo acontecerá a alguém quando é sempre o próprio indivíduo que acontece a si mesmo. No caso dos trânsitos de Urano, Netuno e Plutão o que está envolvido é sempre o atendimento, de muitas maneiras diferentes, de necessidades que o ego não estava deixando serem percebidas. Se após a descoberta dos planetas transaturninos ainda temos esta defasagem de compreensão, não é difícil perceber que tudo o que eles representam ainda estão repercutindo sobre nós, individual e coletivamente.

Urano, Netuno e Plutão sempre estiveram no céu, porém, somente a partir do momento em que foram descobertos é que passaram a fazer parte da realidade de mais e mais pessoas, através de muitas maneiras diferentes. Urano, por exemplo, trouxe mais liberdade para mudar. Hoje podemos nos divorciar, mudar de cidade, trocar de emprego, passarmos de ricos a pobres e vice-versa. Isto tudo era possível, com esta rapidez e liberdade, no passado? Não é preciso pensar muito para responder que não. Já Netuno simboliza a religiosidade sendo vivida pelo indivíduo de forma mais ampla e mais direta. É a descoberta de Deus em si mesmo, e não mais por intermédio de ninguém. Júpiter é a filosofia, a explicação. Netuno é muito mais do que isto: é o sentimento da existência de algo. Não é que a explicação seja dispensável, e sim, que Netuno representa a experiência direta de contato com o divino, embora não a explique.

Finalmente, Plutão representa a capacidade de cura e transformação mais ao alcance do indivíduo, ao invés de se fazer unicamente através do coletivo (via revoluções, catástrofes e outros acidentes). Estes três planetas chamados coletivos na realidade trouxeram ao indivíduo coisas que estavam restritas a ele em grande escala. Apenas pouquíssimos indivíduos experimentavam uma maior liberdade, podiam viver um sentimento religioso sem ser obrigatoriamente através de crenças e tinham consciência de que podiam transformar a si mesmos. Agora, não. Agora mesmo o indivíduo mais amarrado as suas condições tem, no mínimo, um sentimento de que pode mudar alguma coisa.

Entretanto, como já foi dito, é evidente que a energia somada destes três planetas ainda não foi totalmente assimilada pela humanidade, compreendida ou plenamente vivenciada. Isto é visível em uma série de desequilíbrios coletivos, e só para citar um deles nós teríamos os vícios que explodiram coletivamente a partir da descoberta destes planetas. Estamos ainda em fase de transição em termos do que cada uma destas energias representa. Fazendo uma comparação, somos tão crus em relação a elas quanto o eram o casal Curie em relação ao rádio. Ah, e é claro: às vezes nos aproximamos de um perigoso mau uso delas, como efetivamente ocorreu ao casal de químicos. Você pode perguntar: mas que transição é esta? Para quem vislumbra o potencial do que as energias de Urano, Netuno e Plutão significam, a compreensão destas energias traria consideráveis avanços a humanidade. Mas não estamos falando apenas de avanços tecnológicos. Estes já vêm acontecendo há um século em total desequilíbrio em relação a questões nas quais somos, coletivamente, muito primários. Estamos falando em avanços que possibilitem entender o ser humano de uma outra maneira inédita até então. Uma maneira que, até hoje, pouquíssimos indivíduos, se comparados ao restante da massa, percebem. A você deixamos o convite de tentar imaginar que maneira seja esta. Apenas reflita se já demos tudo o que podíamos dar. Ou se já somos aquilo que potencialmente todos nós podemos ser. E com um detalhe: juntos e ao mesmo tempo.

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(*) Trânsito é o ângulo que um planeta no céu faz em relação a um planeta do mapa natal. O efeito de um trânsito é o de ativação de todos os conteúdos do planeta natal. Cada planeta produz um efeito diferente. Clique aqui para ler saber mais a respeito.

2 comentários sobre “Rompendo a Barreira dos Sete Planetas – Parte II”

Olá!
Excelente artigo! Mais uma vez parabéns!
Muito bem explicado, e de modo acessível a compreensão!
São “pérolas” de ensinamentos que se bem aproveitados podem levar a uma preciosa reflexão que altere nosso estado de perplexidade e desalento com os enigmas da existência.
Obrigada. São muito úteis, não só para mim com certeza.
Flávia.

Namastê.

Excelente artigo! Clareza, competência e sensibilidade. Parabéns!

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