O texto a seguir foi escrito durante a passagem de Urano por Áries (2010 – 2018), e se remete àquele trânsito, bem como a passagem de Plutão por Capricórnio (2008 a 2023), e ao ângulo de tensão que os dois planetas fizeram de 2010 a 2017, que trouxeram muitas mexidas coletivas e desafios pessoais.
Texto de novembro/2011.
Contudo, as palavras dele continuam atuais para o tema de mulheres que tiveram dificuldade com suas mães, e, com isto, problemas de autoestima, por isto vale a pena a leitura.
A resposta de Chico Buarque aos anos de chumbo
Corria o ano de 1973 sob a espessa cortina da ditadura. Chico Buarque, o mais engenhoso poeta daqueles tempos desafiadores, conseguia fazer suas músicas passar por entre as pesadas grades do regime para um público ávido por liberdade. Naquele ano, concebeu Jorge Maravilha, cuja letra era uma bem humorada explosão de provocação.
Jorge Maravilha
E nada como um tempo após um contratempo
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando, até quando, não, não, não
E como já dizia Jorge Maravilha
Prenhe de razão
Mais vale uma filha na mão
Do que dois pais voando
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Ela gosta do tango, do dengo, do mengo, domingo e de cócega
Ela pega e me pisca, belisca, petisca, me arrisca e me enrosca
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
E nada como um dia após o outro dia
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando até quando, não, não, não
E como já dizia Jorge Maravilha
Prenhe de razão
Mais vale uma filha na mão do que dois pais sobrevoando
A letra acima é uma composição entre a dureza e resistência de Saturno e a rebeldia de Urano. Para a Astrologia, os planetas representam princípios neutros, que, dependendo da situação, podem ser positivos ou negativos. Saturno, por exemplo, pode ser persistência, mas também rigidez. E Urano pode ser contestação e mudanças abruptas.
Saturno e Urano foram, na Mitologia Grega, respectivamente filho e pai, em uma briga renhida na qual ganhou o primeiro, pois o Tempo (Cronos/Saturno) sempre vence qualquer disputa: “e nada como um dia após o outro dia”… Inimigos clássicos, algumas vezes estes dois planetas se misturam em um amálgama estranho, formando uma combinação única, como “Jorge Maravilha”.
Saturno do tempo e do contratempo. Saturno, que desdenha o choro inútil, endossado por Urano. Saturno que descobre o que vale a pena ou não, no que Urano radical ratifica com seu ponto no final. Mas é Urano, com a irreverência que lhe é característica, quem esfrega nos ouvidos o verso mais forte desta música: “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. E ri com suas comparações esdrúxulas (“mais vale uma filha na mão, do que dois pais voando”).
A melodia também é um cruzamento entre os dois planetas. Começa mais lenta (Saturno), até que dispara em um turbilhão de energia (Urano).
Contexto coletivo quarenta anos atrás e hoje
Em 1973, Saturno transitava por Câncer, ainda distante de formar contato tenso com Urano em Libra. Mas os antigos rivais/parceiros já estavam em campo se preparando para a batalha. Saturno em Câncer que, dentre outras coisas, pode falar do doloroso embate com os pais, ou da profunda necessidade deles, beirando as raias da dependência. Saturno em Câncer, que pode ser a mãe extremada ou uma mãe extrema de qualquer tipo. Saturno em Câncer, tão sensível… Ou tão duro: as malhas conservadoras da ditadura na América Latina e, no restante mundo, de todas as inseguranças políticas. Saturno em Câncer que não quer chorar por fora, mas o faz por dentro… Mas Urano não deixará isto ocorrer sem colocar gigantescos holofotes. “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta.”
Quase quarenta anos se passaram e Urano está no vibrante Áries, e Saturno, quem diria, em Libra. Plutão – que em 1973, em Libra, formava quadratura com Saturno, dando um tom de suspense àquele ano devido à Guerra Fria – agora está em Capricórnio, com um novo suspense, desta vez ligado à ameaça de um colapso na economia. Escolha qual dos dois pratos tem mais pimenta: a Guerra Fria, com sua ameaça de destruição nuclear, ou o receio de um colapso na Economia Mundial. Em suma, para quem não é versado em Astrologia, os três planetas lentos estão ativando os mesmos signos que estavam há quarenta anos atrás, só que em posições trocadas. Isto cria uma ligação oculta entre aquele tempo e este de agora. Naquele tempo, quando o poder de Plutão e a rebeldia de Urano estavam contidos em um só signo (primeiro em Virgem e depois em Libra), os rebeldes estavam levando surras homéricas ao redor de toda a Terra. Mas agora, durante a quadratura entre os dois planetas (espécie de segundo round, quarenta anos depois), as coisas estão um pouco diferentes.
O ano de 2011 ficará marcado como o primeiro em que os povos do Oriente, há tanto tempo passivos, curvando-se diante de ditadores medíocres, mas poderosos, começaram a se insurgir contra estes pais terríveis. Urano em Áries está ajudando a libertar os que sofreram calados por anos e anos a fio. Está levando o seu trovejar através de um signo do elemento Fogo. E o Fogo é atrevido, porque diz: ‘eu faço a diferença’. É a rebeldia libertando da apatia e da escravidão.
Com Urano em Áries (2011-2018), as vítimas estão saindo dos seus bueiros. Mas somente as mais fortes. As que não despertaram ainda correm assustadiças pelo esgoto interminável dos seus sofrimentos. Muitas delas ainda se castigam e se flagelam. Santas se imolando sem plateias. Urano em Áries não quer apenas que as pessoas se livrem das suas prisões coletivas, mas também das individuais. No contato tenso que tem feito com Plutão, o qual irá durar até 2015, indica anos muito profícuos para a reforma e a transformação social e individual. Mas como fazer isto? Como enfrentar os condicionamentos, as amarras, os medos inconscientes, os padrões profundamente gravados, que talvez venham de um tempo não lembrado, representados por Plutão, que ganha força descomunal em Capricórnio? Somente com o atrevimento de Urano em Áries. A briga agora ficou feia. Urano em Áries é a força do novo, que quer abrir espaço.
E na vida pessoal?
Eu gostaria de escrever sobre um grupo específico de oprimidos: aqueles que cresceram em um sentimento de menos valia, por não se sentirem amados por seus pais. Plutão, que vem transitando por Capricórnio, representa este tipo de herança: filhos criados com indiferença, que maltratam seus filhos, que, por sua vez, não têm muito que dar aos seus… E quando este círculo vicioso irá acabar? Que adianta viver em uma era de informação se ela não servir para nos transformar por dentro, e nos suprir onde houve faltas, e remendar onde houve rasgos?
Vou usar como exemplo de cativeiro quatro mulheres: duas belas de doer por fora e as quatro lindas de emocionar por dentro (por bondade). Mas todas se julgam severamente ou se contentam em ficar com as migalhas. Uma está presa dentro de casa, comendo sem parar, com síndrome de pânico, atraindo toda a má sorte nos negócios e na saúde. A segunda está praticamente exilada em outro país, quase catatônica, vivendo a trama de um casamento do qual não consegue escapar e, por outro lado, sem nenhuma iniciativa para cuidar da sua vida. A terceira se fustiga com a severidade de um monge fanático e já encontrou todas as explicações possíveis para a sua desdita, abafando seus imensos talentos como se empurra um gênio para dentro de uma garrafa. A última, uma das belas de doer, consome lentamente sua juventude entre quatro paredes, morrendo na inanição amorosa com parceiros inadequados e sabendo que precisa mudar sua vida, mas sem ânimo para isto.
O que têm em comum estas quatro mulheres? Uma excruciante dor de amor, a funda ferida de uma rejeição: todas têm problemas com a mãe. Nenhuma se sentiu amada.
Estas mulheres falham em nome da mãe. Precisam cumprir a profecia de não serem dignas de serem amadas ou de serem felizes. Tiveram de engolir uma incontornável dificuldade e hostilidade neste relacionamento primário. Tentaram lutar contra isto à exaustão, e por isto se afundaram.
Veja aqui se você também nasceu sob um aspecto Urano-Plutão
Todas aguardam o olhar bondoso, eternizado em belas pinturas, que as grandes santas reservaram aos seus filhos adotivos, todos nós. A verdade é que, quanto mais esperam isto, menos recebem. Eis o que terão: julgamentos, indiferença, reclamações, ordens, críticas, inépcia. Estas mulheres aguardam o dia em que isto irá mudar. Em que a áspera mãe irá acolhê-las e niná-las nos braços e dizer-lhes o quanto cresceram e são dignas. São como um pequeno fragmento que se tornou uma pérola, mas que ainda se enxergam tão somente como a tosca poeira.
As filhas de mães brutas, incapazes, infelizes, grosseiras ou indiferentes completaram-se no que faltava às suas mães, e ficaram grandiosas, mas são incapazes de voltar para elas mesmas o que distribuem aos borbotões para os outros: afagam homens mimados, acreditam em mentirosos, ficam com quem não as merece. São tripudiadas, enganadas, humilhadas, trancafiadas, submetidas.
Estas filhas aguentam toneladas de mensagens na mídia de mães bacanas e maravilhosas, as quais jamais serão as suas, e elas sabem disso. A realidade as atormenta. Mas como Saturno cegos (a persistência do planeta, mal utilizada), insistem na redenção, e se sacrificam em seu altar como se fosse o único caminho.
Meninas autoimoladas, por uma única vez escutem os tambores de Urano em Áries nesta carta de amor escrita para vocês.
Enxuguem o excesso desta sensibilidade, parem de insistir no que é inútil. Descubram, por favor, a sua verdade, como Chico Buarque fez nos anos de chumbo, quando nunca escreveu recados tão eloquentes, que a grosseira artilharia da ditadura não conseguiu filtrar.
Meninas, dêem fim aos seus sofrimentos por sua própria conta, como quem rasga um papel de uma dívida infinita. Declarem sua independência, como tantos países fizeram sempre que acharam que era tempo de terem seus próprios governos. Não esperem que suas mães abram as portas de suas gaiolas e as levem brandamente para os seus ninhos.
Meninas (e meninos mal amados), há coisas que vocês só descobrirão por si mesmas, se ousarem fazer isto, o que requer coragem. A vida nunca disse que seria fácil, e tampouco segura. Saltem para fora de seus muros (sim, ele estava lá, mas vocês depois os reforçaram com mais tijolos de sofrimento, mágoa, culpa e autopiedade) e verão que não é difícil fazer isto e que não se tornarão meninas más, pois o sofrimento deixou uma pequena pérola em seus corações. Olhem para ela e dêem-na a quem a merece, principalmente a vocês mesmas.
Meninas queridas, preciso lhes dizer que bruxas não se transformam em fadas, a não ser em éons, e não há mais tempo para esperar por isto. Se vocês não tomarem uma atitude (e, se realmente procurarem, encontrarão um número enorme de ajudas e tratamentos, para todos os bolsos), ninguém fará isto por vocês.
Troquem o choro pelo sorriso de canto da boca, e falem para as suas mães, como há quarenta anos atrás teria lhes ensinado Jorge Maravilha:
“Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”.
Urano em Áries puro.
3 comentários sobre “Carta de amor às mulheres que não se amam”
Vanessa, bom dia,
Sei que nada acontece por acaso e sei também que a minha vida sempre muda para melhor. Hoje sei, mas foi um custo aprender! Outro dia desses esbarrei com sua carta de amor às mulheres que não se amam. Fiquei chapada na cadeira sem saber o que fazer, pensar. Você sabe que falar mal de mãe é o mesmo que pedir para ser condenada irremediavelmente ao inferno! (rs) Mas concordo, isso precisa ser feito. Em 2008, passei por uma situação barra pesadíssima com minha mãe e tive a coragem de chegar a ponto de dizer a ela: “Sei que a senhora não gosta de mim, mas tudo bem, isso não me importa”. Disse isso 2 vezes. Nunca me arrependi. Era dizer isso ou morrer, do contrário, eu não estaria aqui escrevendo isso, a não ser que fosse do além. Acontece que esse machucado ainda não cicatrizou. Acho que é por isso que, na hora do exame de direção, eu me torno a pessoa mais burra do mundo. Para você ter uma ideia, fiz o terceiro exame dia 19; precisei dar marcha a ré e não consegui tirar o carro do lugar, porque me esqueci de baixar o freio de mão! Hoje encontrei seu texto de novo, entendi um outro tanto de coisas. Imprimi um trecho em letra bem grande, vou pregar na porta do guarda-roupa e vou ler todos os dias.
Não posso reclamar, minha vida deu um salto que eu jamais imaginei. Não sinto a menor falta da infância ou da adolescência, nessas épocas, minha vida era uma bosta! Hoje tenho uma suficiência que incomoda muito minhas primas.
Mas este texto é para lhe agradecer por sua generosidade em compartilhar seu texto, que eu considero um manual de sobrevivência. Sempre me lembro deste detalhe e outro dia comentei com uma amiga: nós mulheres não sabemos ser solidárias, pelo contrário, fazemos questão de torcer contra as outras. Claro, nossas mães nos ensinaram, aprendemos a lição. Mas isso não precisa ser assim mais.
Muito obrigada, beijos!
Lindo depoimento, Josane! Espero que outras mulheres que passaram por esta situação também aprendam a se amar, como você está fazendo.
Bjs.
[…] Link para o artigo “Carta de amor às mulheres que não se amam” que eu menciono no vídeo. […]