Para quem tem oposição, quadratura ou até conjunção de Saturno com Netuno o filme traz temáticas importantes.
Filme discute o sucesso a qualquer preço
“Birdman”, do diretor Alejandro Gonzáles Iñarritu (de “Babel”), que ganhou o Oscar de melhor filme em 2015, teve seu lançamento em 17 de outubro de 2014, com Lua e Júpiter no signo do glamour, da mídia e do entretenimento: Leão. O filme faz refletir e diverte ao mesmo tempo, costurando amargas realidades com humor e rasgos de fantasia, em uma bastante comentada simulação de um único plano sequência (filmagem de uma ação contínua com um longo período de ação), que dá um ritmo intenso à história. Como em um daqueles longos dias, cheios de atividades que parecem não acabar mais.
Seu protagonista é Riggan Thomson, um ator que foi alçado ao estrelato ao interpretar o super-herói Birdman na década de noventa. Receoso de ficar congelado em um único personagem, ele recusou-se a fazer o quarto filme da série. O expediente não funcionou, porque, décadas depois, sua carreira perdeu o prumo e o ator está tentando, com muita dificuldade e esforço, fazer uma peça na Broadway como forma de reafirmar seu talento e valor. É a busca pelo externo, que já caracterizou a sua vida e que se torna uma obsessão máxima naquele momento, até por envolver também questões financeiras.
A trajetória do personagem tem alguma semelhança com a do ator que o interpreta, Michael Keaton, que na mesma década sagrou-se como Batman, também em filmes sequenciais, e que depois não fez mais nenhum papel que tenha sido de grande destaque, a não ser, é claro, este, em um dos filmes cotados para ganhar mais de um Oscar – como o de melhor ator.
Saturno/Netuno e o capitão de um navio prestes a se afundar
Logo no começo de “Birdman”, aparece o camarim de Riggan, um lugar de feiura e caos. É um reflexo da vida dele. Mas ele nega: “não era para eu estar aqui”, pensa. Também há dentro da sua cabeça uma voz que o acompanha, a do super-herói que interpretou, ora dizendo as piores coisas a seu respeito, ora as melhores. O filme foi lançado ainda com Saturno em Escorpião, mas esta voz parece ser de Saturno em Sagitário (o posicionamento que já se delineava no céu no final de 2014), seja julgando impiedosamente, seja exaltando e plantando fantasias de grandiosidade, bem de acordo com os extremos deste signo.
Saturno, ao ingressar em Sagitário, deu de cara com Netuno em Peixes, formando uma quadratura, que estará vigente ao longo de 2015. Este aspecto está o tempo inteiro presente no filme, de diversas maneiras. Representa a carreira (Saturno) esvaziada (Netuno) do protagonista e também o esforço gigantesco (Saturno) para tentar controlar coisas que com frequência ficam fora do seu alcance (Netuno), principalmente o ator com quem tem de contracenar, fonte constante de aborrecimento.
No início, o parceiro de cena é limitado e medíocre, o que irrita Riggan e suas pretensões artísticas, e depois é substituído por outro famoso e temperamental, interpretado por Edward Norton. O personagem de Norton é a sombra dos signos de Leão e Sagitário: talento, autoconfiança, um ego desproporcional (Leão) e a completa ausência de limites (Sagitário). O festejado Mike Shiner é um furacão destruidor para um herói combalido, falido e no seu limite como o ex-Birdman. Riggan parece o capitão de um navio que o tempo inteiro precisa ser remendado para não afundar no minuto seguinte. A quadratura Saturno/Netuno aparece deste modo, e no intenso desgaste psicológico que o processo causa ao ator, que vai “colapsando” ao longo da peça (uma possibilidade deste aspecto), o que faz com que reveja toda a sua trajetória pessoal, os erros que cometeu e, principalmente, a sua ausência em sua própria vida.
A difícil quadratura entre Saturno e Netuno em 2015
O que vemos em “Birdman” está acontecendo em escala coletiva em 2015. A quadratura Saturno/Netuno estará atuante ao longo do ano (com destaque para os dois últimos meses). Este aspecto traz forte insegurança e incerteza em rumos profissionais e países, e indica um momento de desorganização de várias estruturas. Colapso, por exemplo, de leis (visto que Saturno transita em Sagitário, signo que rege este tema), com elas podendo ser mudadas em uma canetada. Empresas públicas (como a Petrobrás) mergulhadas em incerteza e/ou escândalos. Setores e órgãos lidando com perda de pessoas e com núcleos desmontados. Mudanças em coisas importantes que nem sempre agradam. E, na vida pessoal, estruturas e casamentos que podem revelar que há muito já acabaram (ao menos de uma determinada forma).
Fantasia (Netuno) versus realidade (Saturno)
Em “Birdman”, Saturno e Netuno também disputam com os princípios, respectivamente, da realidade versus idealização. A idealização (Netuno) é o anseio de Riggan para realizar o sonho do respeito, consagração e retomada triunfal da sua carreira. A realidade (Saturno) é aturar “atores-malas” e críticos impiedosos, além de ter de fechar a venda de ingressos e torcer para que a peça não seja destruída por fatores inesperados. O camarote do Riggan é a junção dos dois dos planetas, com a feiura de Saturno e o caos de Netuno, além dos superpoderes do herói que interpretou e que só existem na cabeça do ator.
A voz que o acompanha é o seu mundo interior, que ora o exalta, ora o rebaixa, em uma sensibilidade exacerbada que é muito comum acontecer para aqueles que estão expostos ao constante escrutínio e avaliação públicos. Ou seja, é comum que se vá aos extremos: sou um lixo (o que significa “acho que estou aquém do esperado”) ou sou incrível (“porque as pessoas estão me validando e aplaudindo”). Armadilhas de um ego no fundo frágil, que tem dificuldade em trafegar nas zonas intermediárias e manter seus próprios parâmetros. E também algo muito ligado ao trânsito Saturno por Sagitário, que vai nos acompanhar por dois anos. Quantas vezes temos que nos afirmar e mostrar como grandes, e agir de maneira arrogante para escamotear falhas, dores e inseguranças?
Persistência em busca de um sonho: o outro lado do aspecto
O processo que envolve a peça é tão desgastante e intenso para o antigo herói que há momentos em que o espectador teme por um sério colapso. Riggan, contudo, é incansável (Saturno) em perseguir seu sonho (Netuno), por isto uma das cenas mais antológicas do filme é quando se expõe ao completo ridículo para simplesmente dar continuidade à peça, mesmo estando em uma situação de extrema dificuldade.
Esta é outra expressão dos contatos Saturno/Netuno, uma vez que Saturno é a persistência por lutar por algum ideal (Netuno) há muito acarinhado e, igualmente, muito difícil de ser realizado. Toda a fase de ensaio – inclusive e por causa das loucuras do seu companheiro de cena – é uma luta contra o caos, o fracasso e o mergulho final da sua careira. O que significa aniquilação de sua existência, pois é o papel de ator que o define, já que em todos os outros ele realizou ainda menos do que neste. Não é à toa que um combalido Birdman vai chegando ao fim da sua bateria emocional e vai misturando cada vez mais perigosamente fantasia com realidade, outro ponto alto do filme.
Mais “desmoronados”
A filha de Riggan, Sam (em ótimo desempenho de Emma Stone), é também uma expressão de Saturno/Netuno. Assistente do pai, não tem qualquer pretensão em relação à carreira artística, uma vez que conhece seus efeitos de dentro para fora. É a “des-ilusão”, outra expressão de Saturno/Netuno, pois está combinando o planeta da realidade com o da ilusão. O que Sam presenciou foi o glamour fora (Netuno) e a ausência dentro (Saturno), sobretudo a falta do pai, sempre perdido em seus intermináveis projetos. Além disso, voltou de uma internação por consumo de drogas (Netuno), onde penosamente aprendeu a tentar se estruturar (Saturno) para evitar que o caos das drogas (Netuno) ressurja. Com frequência, seu belo rosto estampa uma expressão entediada e a vulnerabilidade da moça fica patente quando ela se senta displicentemente no parapeito do prédio, flertando despreocupadamente com a morte, com todo o perigo de despencar de lá. Lugares elevados são regidos por Saturno e Sagitário, e são uma das marcas deste filme, pois com frequência Riggan também se expõe neles.
É neste espaço que ela costuma interagir com Mike Shiner, que com ela age de forma mais sensata e menos monstruosa, revelando-se, para além da máscara de ator arrogante, como homem e ser humano. De algum modo, ele também está afetado pela deterioração de Saturno/Netuno quando, com tristeza, declara: “eu queria tirar seus olhos do seu rosto (e o telespectador pensa, por um minuto, que se trata do desejo de ter os belos olhos da atriz Emma Stone), para poder ver o mundo como você vê, de uma forma que eu nunca mais irei ver”. Ele também está desgastado, não importa a consagração e o glamour que o envolvem. Sam ainda tem um encanto, que vem da sua juventude, por mais que as drogas tenham sugado uma parte dele.
Melancolia de Saturno/Netuno versus comédia
“Birdman” tem muitas facetas e discussões, além de bons diálogos, e uma das suas sacadas é misturar a faceta melancólica (do caos emocional, da fragilidade do protagonista e, de quebra, da sua filha) com a comédia. Afinal, estreou com o brilhante Júpiter em Leão, e seu tema é leonino: a notoriedade, o reconhecimento, o sucesso. A volta por cima a qualquer preço. O filme tem várias sequências de humor escrachado, até em seus momentos mais sádicos, como quando o protagonista interage com uma implacável e consagrada crítica de teatro, também ela ressecada por dentro por seus dogmas teatrais (em uma expressão da rigidez de Saturno em Sagitário) e uma definhada feminilidade, a qual o protagonista sabe bem como espezinhar, já que a profissional também desfilou toda a arrogância com que exerce seu poder (uma possibilidade negativa de uso, aliás, que os líderes podem fazer de Saturno em Sagitário).
À beira de um colapso por ter de lidar com tanta adversidade, há momentos em que Riggan quase surta, e há algo de curioso: quanto mais próximo ele está de surtar (e ir definitivamente para o mundo da fantasia ao qual se sente intensamente ligado), mais as coisas começam a funcionar, e mais ele passa a adentrar um limiar bastante ameaçador.
Além disso, quanto mais ele se aproxima da tão sonhada consagração, em um efeito completamente inesperado para o espectador, menos ela parece fazer diferença para ele. Até porque todo o processo desgastante despertou nele diversas dores e reflexões relativas ao conceito de sucesso e do que fez de sua vida pessoal. Ao entrar em contato com a ex-esposa e a filha, muitas vezes constatou que o fracasso não foi só nas telas, mas também como pai e marido, pois viveu mais nos filmes (e transbordou mais de pura emoção neles) do que na sua própria vida. Viver para o sucesso, em “Birdman”, significa morrer na vida pessoal.
A faceta sombria da fama e sucesso
Júpiter está em Leão, enfatizando a procura por reconhecimento e afirmação. Do lado positivo, incentiva cada um a encontrar o seu lugar e acreditar em si, como Riggan querendo emplacar um sucesso e fazer uma virada na carreira. Mas, do negativo, também pode representar a ênfase nas aparências em detrimento do conteúdo e a quase total falta de noção e consequência ao priorizar isto.
Neste sentido, “Birdman” flagra comportamentos que não são apenas das celebridades, mas de toda uma indústria fissurada na fama, a qual, inclusive, contamina todos nós com o anseio de ser importante e se destacar a qualquer custo. Por exemplo, no enterro do presidenciável Eduardo Campos, muita gente quis fazer a popular “selfie” na beira do caixão, desprezando que o tal evento era um momento de muita dor para a família. O lado sombrio da busca por aparência é também usar o dinheiro para desfilar com modelos e prostitutas, ao invés de estabelecer relações verdadeiras. É trocar uma “mulher de cinquenta por duas de vinte e cinco”, porque isto dá mais ibope e satisfaz o ego, e permite a ilusão de que é possível controlar a ação do tempo ou de que o dinheiro compra tudo (inclusive o afeto). Em uma viagem, é tirar quinhentas fotos ao invés de desfrutar minimamente o momento (as fotos fazem parte e eu adoro, só o excesso de qualquer coisa é que não pode ser bom). É estar na companhia de um amigo em um restaurante e não conseguir prestar a atenção nele porque não consegue largar a rede social e o aplicativo de mensagens instantâneas, como se algo muito mais importante estivesse acontecendo lá do que no presente ou como se a foto do momento fosse mais importante do que a conversa em si.
O sessentão, que está carregando bolas de ferro nos pés para produzir a peça, e, de quebra, entrando em contato com suas piores dores e fracassos pessoais, em um momento fala para a sua ex-mulher: “eu filmei todo o parto da nossa filha, quando, no fundo, eu deveria ter estado presente; somente eu, você e ela”. Ou seja, toda uma vida em busca de sucesso e atropelando o que há de mais sagrado e pessoal. Quantas pessoas que você não conhece que são assim? Que têm casamentos de mentira (e, não raro, exercem parcialmente quem são, e por curto período de tempo, com os amantes)? Que têm uma vida profissional cheia de louros ou ganham milhões, mas que não têm tempo para ver os filhos crescerem ou desfrutar do que estão construindo? Saturno/Netuno é também a queda das máscaras, da hipocrisia, até porque Saturno em Sagitário (2015-2017) fala em ética, mas como esta ética se mostra em situações verdadeiramente delicadas e/ou que envolvem tentações (Netuno) ao que se diz acreditar (Sagitário)? Será que ela resiste? Aquilo que estamos mostrando fora (Júpiter em Leão) de fato existe dentro? Se você ainda não viu “Birdman” e não gosta que o suspense seja desfeito, não leia o último tópico.
O curioso final netuniano
Riggan vai ficando cada vez mais descontrolado à medida que o filme desenrola. Em parte devido à exaustão, em parte aos seus processos netunianos, o seu mundo próprio. Fiquei pensando em como o final era ambíguo, pois o personagem aparentava ter a determinação de fazer dar certo e pagar qualquer preço por isto. No entanto, ele não desfruta do sucesso quando finalmente o atinge. Quando seu produtor e sua filha trazem o jornal contendo a consagração tão sonhada, ele parece alheio a isto, ou está simplesmente satisfeito, mas não eufórico, como seria de se esperar. Na loucura do sucesso, a filha também informa que fez uma conta no Twitter para o pai. Ela ama o pai, não há dúvida, mas é estranho que, em um momento da vida em que o personagem demonstra sério desequilíbrio emocional, depois de ter praticado um ato tresloucado na peça, produtor e filha estejam mais entusiasmados com o sucesso do que com a loucura envolvida. Ela e o produtor também parecem entender a lógica do sucesso: não importa o quão bizarro algo seja, se chamar a atenção está valendo, cumpre o seu papel. E quem vai contradizer isto? Quantos artistas não se destacaram por encher a cara, fazer escândalos ou coisas bizarras? Isto não vende, não vira atração? E o que dizer do apelo do sexo?
Para quem observa de perto, Riggan parece desmotivado ou deprimido. Quando a filha sai do quarto, ele se aproxima da janela do edifício e parece insano ao flertar com o chão. Quando ela retorna, o quarto está assustadoramente vazio, e o pai não está em nenhum lugar. Temerosa, ela olha pela janela para checar se o ator-heroi se espatifou no chão. Mas não, ele se transformou em Birdman. Eis novamente a expressão de Netuno, o planeta ligado a tudo o que está fora da realidade. Ele pode ser tanto a loucura quanto a transcendência. Teria Riggan transcendido a loucura pelo sucesso e largado tudo aquilo, percebendo o quanto era inútil todo aquele apego a algo, que, a rigor, nem sempre parece ter grande lógica (afinal, basta fazer um bom escândalo para conseguir atenção)? Teria superado algo ou simplesmente saído do mundo, sem ter estado presente de fato, como muitas e muitas vezes ele fez? Ou os dois? Deixo para você pensar e responder. E principalmente no que acho o ponto principal do filme: o cuidado com tudo o que nos desvia da presença e cria realidades inventadas, ou outro jeito de dizer mentiras. Tudo o que vira a nossa cabeça e não nos permite aproveitar o que realmente importa: nós, o nosso presente e as pessoas que fazem parte da nossa vida.
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