A atual novela das nove, escrita com habilidade por João Emanuel Carneiro, reflete em cheio o mais importante aspecto do momento, além de ter conseguido incorporar as recentes mudanças trazidas pelo ingresso de Netuno em Peixes.
Artigo de junho 2012
“Nós vos pedimos com insistência: não digam nunca – Isso é natural: sob o familiar, descubram o insólito. Sob o cotidiano, desvelem o inexplicável. Que tudo o que é considerado habitual provoque inquietação. Na regra, descubram o abuso, e sempre que o abuso for encontrado, encontrem o remédio.” (Bertold Brecht)
Em 26 de março de 2012, estreou “Avenida Brasil”, sob a surpreendente e desconcertante conjunção de Sol com Urano em Áries (a primeira a acontecer com Urano neste signo), em quadratura com Plutão em Capricórnio. A novela capturou a atenção do público de imediato (Áries) com a trama de uma criança (Áries) que tenta ajudar o pai. A pequena heroína corajosa e espontânea (Áries), interpretada pela carismática atriz mirim Mel Maia, foi capaz de perceber as armações sórdidas (Plutão) de uma mulher adulta (Capricórnio), sua madrasta, com quem entrou num embate de titãs, de igual para igual.
Como em outras novelas que já prenderam a atenção do público, esta tem um destacado simbolismo de Plutão: o pai (Capricórnio) da menina morre (Plutão) atropelado (Urano, um acontecimento fora de controle) e a madrasta deixa a criança em um lixão, o local de Plutão por excelência, que abriga a tudo e todos que ninguém mais quer ver. Mas, além disso, o que define “Avenida Brasil” é também a velocidade: cheia de viradas, acontecimentos, em perfeita harmonia com Urano em Áries.
Na nova moradia plutoniana, a vida da menina cheia de personalidade e vida se recicla, porque ela encontra uma mãe substituta (Mãe Lucinda) e o amor da sua vida, um menino conhecido pelo codinome Batata, que a protege, e com quem forma um vínculo profundo. São generosas compensações cancerianas para perdas capricornianas tão amargas.
Entretanto, para a pequena Rita não é permitido mais se estabilizar. Novamente, a sua vida sofre mais uma reviravolta (Urano): depois de formar laços profundos (Plutão), ela é adotada por um pai argentino e muda de país e de nome, tendo de se separar, novamente, de quem ela ama, e adaptar-se, em curto espaço de tempo, a uma nova realidade. Cortes súbitos, ainda que aparentemente sempre pelo melhor. Mas tantas mudanças farão da personagem um “osso duro de roer”, potencializando o que ela foi desde criancinha.
Nina: a estranha filha vingadora
Estas mudanças compulsórias gerarão na personagem uma incapacidade para refletir (Urano em Áries), restando tão somente a capacidade de agir (Áries). “Casada” com Plutão, ela será incapaz de ver a ação de Urano em sua vida, que a tirou de todas as roubadas (Plutão). Nina foi salva várias vezes. Da convivência terrível com uma madrasta que iria infernizar sua vida, da hostilidade de um ambiente como o lixão (onde encontrou apoio e amor) e de uma possível vida sem perspectivas quando foi adotada por um pai que lhe deu tudo, de estrutura a amor.
Nina, portanto, é profundamente caracterizada pelo aspecto que define Avenida Brasil: a quadratura Urano/Plutão. E como esta quadratura atua? Uma das suas várias manifestações é que a reciclagem natural de Plutão acelera-se de maneira exponencial quando tocada por Urano em Áries. É quase como se fosse uma reciclagem compulsória, uma renovação celular (Plutão) frenética (Urano), em um padrão que, se fosse refletido na saúde, iria se tornar uma psoríase.
Psoríase: afecção da pele (órgão regido por Capricórnio), de causas ignoradas (Plutão), caracterizada por uma renovação (Plutão) celular acelerada (Urano). Doença crônica misteriosa (Plutão em Capricórnio) e de progressão imprevisível (Urano), podendo desaparecer sem aviso prévio ou se alastrar. Fatores emocionais (signo de Câncer) parecem desencadear o seu surgimento ou piorá-la. Estágios avançados da doença levam a um comprometimento estético e a um isolamento social dos pacientes (Libra).
Este padrão (Capricórnio) desconcertante (Urano) vivido nos primeiros anos deixará em Nina marcas indeléveis (Plutão), incubando nela o germe de uma obsessão (Plutão) que ninguém (Plutão: solidão) conseguirá entender (Urano): trata-se de uma cega fidelidade ao pai morto (tanto a fidelidade tenaz quanto o pai morto são simbolizados por Plutão em Capricórnio). Para Nina, só existe um único mandamento: honrarás a teu pai (Capricórnio) com uma vingança completa (Plutão), que será atribuição tua (Áries). Mais tarde, Nina justificará sua ação como algo que também ajudará outras pessoas, pois, em sua visão, ela libertará Tufão e toda a sua família das tramoias da ex-madrasta e seu amante, e de um destino trágico, o mesmo que ela teria sofrido, de humilhação e perda.
A vingança de Nina, incubada dentro dela, acontecerá, de acordo com seu mito pessoal de instabilidade, numa hora repentina (Urano): a morte súbita do pai adotivo. Um pai que cederá lugar a outro pai, mais antigo.
O relógio armado estará pronto para colocá-la em ação com a objetividade tenaz de um soldado (Áries/Capricórnio) disfarçado sob o olhar doce e frágil de uma cozinheira (Câncer) que vive para ajudar uma oculta mãe doente. Mas o guerrilheiro Nina estará pronto para transformar a vida de uma família inteira, e expurgar dela o seu dano: a mulher que lhe tirou tudo, dinheiro, família e dignidade, e que posa de matriarca filantropa.
Para conseguir seu intento, será capaz de usar a melhor amiga e fazê-la passar-se por ela e, o mais supremo dos crimes para o público, negará seu antigo amor, Batata, adotado pela família e hoje chamado de Jorginho. É a rejeição de Câncer e Libra, os signos opostos àqueles ocupados por Urano e Plutão. É a manifestação da psoríase psicológica de Nina, que, quando não está cumprindo a sua missão, chora pela privação do seu amor (Libra) e vomita (Câncer) com as armações que presencia ou de que se recorda. É como se o feminino estivesse amputado, e Nina não pudesse jamais ser mulher, tão somente a estranha (Urano) filha vingadora (Plutão).
Os novos limites borrados
A novela tem muito lixo (Plutão) para revelar (Urano), muita coisa para surpreender, e esta fartura é explorada de capítulo em capítulo. Mentiras, raptos, roubos acontecem à velocidade da luz, praticados, até mesmo, por uma inocente “piriguete”: a estonteante Suellen, que mantém um time de futebol inteiro mesmerizado. A moral da personagem também parece ter uma lógica própria, pois ela declara a quem queira ouvir que seu amor está à venda por muito dinheiro, e, no entanto, não consegue permanecer na casa de um rapaz que subtrai grandes nacos do suado salário da mãe ao mentir para ela.
Esta é uma novela em que os vilões muitas vezes revelam quem são, seus estratagemas e suas intenções, numa expressão da franqueza de Urano em Áries em quadratura com Plutão, e os bonzinhos frequentemente se escondem, torcendo os fatos a seu favor, como, por exemplo, inventando doenças fatais para conseguirem casar com a mulher amada.
Esta salada moral e seus limites não muito claros já seriam um sintoma do recente ingresso de Netuno em Peixes, que borra limites e empresta disfarces a quem quiser usá-los, como o milionário polígamo, a vilã embalsamada em roupas brancas e bege, a espiã cozinheira (de uniforme vermelho, a cor de Áries), a piriguete que ruma de um namorado para outro contando mentiras e um ex-jogador de futebol afetuoso e bonachão cujo apelido nada tem a ver com ele, Tufão.
Netuno em Peixes assume um importante papel nesta novela, com seu toque de ternura, o lado lúdico e engraçado. Além disso, quando os personagens não estão na mansão de decoração tão bizarra quanto eclética da família (uma expressão da falta de lógica de Netuno em Peixes com o “faço o que eu quero” de Urano em Áries) ou em um campo de futebol (atividade, afinal, jogada com os pés, Peixes), podem estar dançando charme (idem) em um grande salão.
A novela também mostra com destaque a atividade filantrópica da vilã religiosa e benemérita (Netuno em Peixes), que aspira se lançar na política. É claro que ela não lembra ninguém que conhecemos. Ninguém seria capaz de ter um porão tão grande quanto Carminha e fazer emocionantes discursos sobre moral e religiosidade na comemoração de bodas com o marido. É acima deste porão que está assentada a mansão da família, localizada em um bairro chamado Divino (Netuno em Peixes). A hoje aparentemente beata Carminha frequentou todos os submundos de Plutão: foi prostituta, mantém sob o mesmo teto, casado com a cunhada, o amante, enganou dois homens que dela gostaram (um deles o atual), exilando a filha do primeiro para o lixão, além de ter abandonado lá o seu próprio filho, para depois resgatá-lo quando nasceu do seu ventre uma filha que imediatamente rejeita, e para quem não consegue ter o mínimo de simpatia. A mulher aprontou poucas e boas antes de alcançar a estabilidade, que já dura anos, o que muitas vezes torna a missão de Nina bizarra, pois, afinal, Carminha levou tempo demais para roubar Tufão e ainda mora com ele. Parece até que poderia viver assim para sempre, na família que lembra todas as famílias, e em que ela e o amante é que são os dois enxertos estranhos. Limites não muito claros de Netuno em Peixes.
Talvez seja por estes limites esfumaçados que autor e atriz consigam uma façanha: que a vilã desperte simpatia. Afinal, ela mora há anos sob o mesmo teto com o marido enganado, aturando toda a família dele, que responde inteiramente ao simbolismo de Urano em Áries. São novos ricos, briguentos, falam e fazem o que querem e não estão nem aí para o verniz social (representado por Plutão em Capricórnio). Vivem em conflito e confusão (Urano em Áries e Netuno em Peixes), além de ambos os patriarcas (Capricórnio) terem se envolvido com namorados décadas mais jovens (Urano em Áries).
A vilã muitas vezes tem que ter uma paciência de Jó nas frequentes situações de desarmonia. Além disso, nutre uma amizade verdadeira pela cozinheira, mostrando claramente quem ela é (Urano em Áries), enquanto a empregada é que é falsa e velada (Plutão em Capricórnio), e é quem, até o presente momento, detém todo o poder de destruir. As polaridades de heróis e mocinhos foram invertidas.
Tempo de inversões
Nada que lembre o mundo real, em que o número de nascimentos de crianças caucasianas nos Estados Unidos foi inferior neste ano ao de crianças de origens diversas (afro-americanas, hispânicas), o que, no médio e longo prazo, irá alterar a identidade daquele país. Em que a Europa, que gozou de estabilidade e prosperidade econômica durante décadas, atravessa uma fase difícil e insegura, com um preocupante aumento da xenofobia, tendo em vista a acirrada disputa de empregos entre os locais e aqueles que vieram de países outrora dominados pelos ancestrais do Velho Continente. Não, não estamos vivendo nenhum tempo de inversão, e não há ninguém se revoltando por aí, tentando brigar por direitos, salários ou mais honestidade e transparência, e nem depondo antigos ditadores outrora inexpugnáveis.
A verdade é que a Avenida Brasil está bem debaixo do nosso nariz, refletindo com maestria o momento social que vivemos. A ruidosa família de Tufão pode assumir várias feições: a de qualquer povo ou agrupamento que entenda que seus direitos foram desrespeitados e queira, como Nina, se rebelar.
A ordem vigente de décadas atrás (Capricórnio) em pouquíssimo tempo foi desordenada (Urano), em um processo de desgaste parecido com o que o vírus Nina irá causar na família de Carminha. A implosão causará dor à família, ao revelar tantas mentiras escabrosas guardadas por tanto tempo. Da mesma forma que vêm causando dor as implosões econômicas e sociais que revelam com impressionante clareza (Urano em Áries) problemas políticos e estruturais (Plutão em Capricórnio), e cujo epicentro, neste momento, é a Europa, mas que, como a psoríase de Nina, espalha-se pelo mundo inteiro.
Como a família de Tufão, estamos também passando por transformações (Plutão) aceleradas (Urano), que alteram leis, rumos e que não sabemos ainda aonde vão dar. A quadratura Urano/Plutão só termina em 2015 e, até lá, muitas águas irão correr debaixo da ponte. Assim como em Avenida Brasil.