A música “Sampa” e o mapa de Caetano Veloso

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A cidade de São Paulo, nascida sob a marca de Saturno e Urano (ênfase em Capricórnio e Aquário), precisou esperar quatrocentos anos para encontrar seu mais completo tradutor. E o cruzamento de Ipiranga e Avenida São João é, na verdade, um grande jogo de oposições entre os planetas de Caetano e da metrópole da feia fumaça que apaga as estrelas.

O Rio de Janeiro já inspirou muitas músicas, mas São Paulo ainda não havia sido cantada para o Brasil inteiro, quando, em 1978, Caetano Veloso fez uma música que até hoje é a mais emblemática sobre a cidade. E o mais irônico é que a música, que trata São Paulo com intimidade carinhosa (‘Sampa’), conta a aversão inicial que a cidade lhe inspirou, mais ou menos como quando confessamos a um amigo que da primeira vez que o vimos não gostamos dele. No caso de Caetano, ele comparou a gigantesca São Paulo com a ensolarada Salvador, sua cidade natal, e cantou:

E foste um difícil começo, afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade

No mapa de Caetano, Câncer está na casa quatro, e também Júpiter e Vênus. A cidade de origem de Caetano é sentida por ele como acolhedora, maternal, um lugar onde as pessoas provavelmente se conhecem e formam vínculos. E São Paulo tem Vênus em Capricórnio, signo oposto a Câncer, além de estar enquadrando o extravagante Urano. Seu modo de se relacionar não só é diverso do que Caetano conhece, como totalmente único (Urano). E, igualmente, sua estética. Da maternal e acolhedora Salvador, Caetano parte para a madura e cosmopolita São Paulo. Não é de espantar que São Paulo venha a se impor como a ‘realidade’, uma definição muitas vezes aplicável aos signos da Terra, onde Vênus está, e ao planeta Saturno, que rege Vênus e mais três planetas em Aquário, dentre eles o Sol, que é a própria identidade da cidade. São Paulo é a realidade!

Planetas do círculo interno e estrutura de casas: Caetano Veloso – 7.8.42, 21h – Santo Amaro, BA – 12s32, 38w42. No círculo externo, os planetas da fundação de São Paulo (25.1.1554, 9h LMT – proposta de Barbara Abramo). A observar: a oposição entre o grupo de planetas Leão/Virgem de Caetano e o grupo Aquário/Peixes de São Paulo e a oposição entre Vênus nos dois mapas.

A esta estética, com a qual não está acostumado, pois é oposta a sua, Caetano faz várias referências:

Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
(…)
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto o mau gosto
(…)
É que Narciso acha feio o que não é espelho

Outro aspecto notável de diferença entre Caetano e São Paulo é que o primeiro tem um stellium em Leão, e São Paulo, um stellium no signo oposto, Aquário. Não é à toa que deu-se o choque, mas os opostos também aprendem a se apreciar. A oposição de dois agrupamentos em signos opostos é muito bem expressa nos versos:

Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto
(…)
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Caetano, em sua combinação Câncer/Leão, é todo emotividade e calor, e São Paulo, uma cidade Capricórnio/Aquário, é toda eficiência e impessoalidade. Ela funciona a ritmo de relógio atômico, enquanto a Salvador de Caetano, ao menos para ele, é embalada por um tempo subjetivo. Com tanta diferença, ele vai encontrar o aconchego de que necessita a partir do momento em que localizar um canto em São Paulo que vá se tornando familiar, conhecido, que vá se cristalizando em sua memória afetiva. E na música fica bem claro que ele é o cruzamento das avenidas Ipiranga e São João. A ligação emocional com a cidade também ocorre através da descoberta de Rita Lee. A música, que tem a função de tocar a emocionalidade, consegue fixar uma âncora que estava difícil de ser jogada em São Paulo. Para a psicologia canceriana, se você não consegue estabelecer um vínculo, está sendo repelido, não existe o meio termo. A letra deixa transparecer que o cantor estava se sentindo repelido, quando, a duras penas, começou a construir referências e, a partir disso, a entender a cidade, tornando-se seu melhor tradutor.

Caetano também capta na aquariana São Paulo uma faceta claramente escorpiana, que aparece em vários versos:

Do povo oprimido nas filas,
nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue
e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe
apagando as estrelas

Mas de onde vem esta percepção? São Paulo tem a Lua em Escorpião em trígono com Plutão. Não se pode negar a força de um planeta aspectando o regente do signo em que está. Além de a característica escorpiana ser algo que realmente pertence a São Paulo, o Plutão de Caetano quadra a Lua da cidade, e o Plutão da fundação paulistana fecha uma quadratura em ‘T’ no mapa de Caetano. Com tantos contatos plutonianos, por mais que quisesse, Caetano não poderia ficar na superfície da cidade. Escorpião tem a ver com coisas ocultas, com força, com poder. E tanto pode falar da necessidade urgente de transformação e reciclagem como da própria capacidade sempre latente de ser capaz de “virar o jogo” quando necessário. Esta parece ser a marca de grandes metrópoles, como Nova Iorque (Plutão em Touro conjunto ao Sol) e Rio de Janeiro (Plutão e Sol conjuntos em Peixes).

Por fim, Caetano se reconcilia com a cidade:

E novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa…

O Nodo Norte de São Paulo está conjunto a Vênus de Caetano. Esta conjunção também parece sugerir que São Paulo é importante artística e financeiramente para o cantor. Lá existe um público significativo para a sua carreira. O Júpiter da cidade está conjunto ao Descendente de Veloso, indicando que a cidade teria potencial para torná-lo mais gregário e conhecido. Mas Caetano também tornou São Paulo mais conhecida com a sua música. Onde alguns só vêem fumaça, carros e imensidão, ele viu, com sua sensibilidade lunar, peculiaridades e humanidade. Descobriu o lado oculto (refletido em seu próprio mapa) da aparente dureza e frieza que São Paulo parece transmitir. E ele, por sua vez, também foi encontrar seus opostos na cidade.

Artigo escrito em maio/2003

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