Astrologia popular versus verdadeira Astrologia
Apesar de muito divulgada, a astrologia, como ramo de conhecimento, ainda é para um universo restrito de iniciados. Com exceção daquilo que é divulgado sobre os signos solares, ela não é matéria ampla e acessível, como a matemática ou a biologia. Os anos de preconceito fecharam-na em um circuito formado por astrólogos, estudantes e os clientes que podem ter acesso a ela. Fechada, ela se torna cara (embora, ironicamente, não garanta a sobrevivência integral da maioria dos profissionais a que a ela se dedica). Tudo isto faz com que a astrologia ainda não seja inteiramente pensada, refletida. O primeiro contato com aquela astrologia que vai além dos signos solares tende a ser, devido a estes fatores, bastante impactante. O típico contato de quem não sabe o que irá encontrar, já que a astrologia é um conhecimento à margem da sociedade.Assim, quando se conhece esta astrologia, o efeito é de deslumbramento. Embora este contato seja extremamente marcante, tem o efeito mergulhar o seu iniciado em uma subjetividade da qual será difícil de sair, o que poderá fazer com que, de alguma forma, ele apenas arranhe a superfície da astrologia, não percebendo o quão longe ela, de fato, pode levá-lo.
Ensina-se Astrologia para quê?
Impressionado com o que constatou, o iniciado logo será tomado por uma ávida curiosidade em já penetrar nos mistérios da astrologia, na chamada ‘parte prática’. A astrologia vem, portanto, sem introdução, diferente de outros ramos de conhecimento que tendem a se auto-apresentarem. O fato, porém, de a astrologia ser apresentada maciçamente em sua faceta prática tem conseqüências, pois a astrologia não prescinde de ser compreendida filosófica e até metafisicamente para ser plenamente utilizada. Assim, mergulha-se na parte prática da astrologia sem, muitas vezes, entendê-la, ou se saber exatamente o que se busca nela e onde ela poderá levar. Aprende-se astrologia para quê? Esta pergunta fundamental não é feita, ou as respostas para ela são simplistas. Tampouco é feita aquela que a completa, que é: ensina-se astrologia para quê? Interiormente, cada um sabe porque está buscando a astrologia, mas o fato de se não formular isto conscientemente, verbalmente, nem nos livros e nem nos cursos de astrologia, pode fazer com que o contato com ela se torne limitado e parcial. Isto vai gerar uma forma de se olhar o mapa, e todas as questões ligadas a ele, que será muito mais estática do que deveria sê-lo.
Questões filosóficas a se responder
Há questões fundamentais que muitas vezes não passam pelo ensino da astrologia, e, quando passam, é de maneira periférica. Em todo o mapa, por exemplo, você pode detectar pontos frágeis e fortes. Este é o mapa com que teremos de viver toda a vida. Quando, por exemplo, se diz que alguém que tem Vênus em quadratura com Saturno tem dificuldades de auto-estima estamos querendo dizer o que com isto? Que esta pessoa inicialmente enfrenta isto na sua vida ou que é algo com que ela terá sempre de conviver, pois não poderá mudar? O que você faz com um planeta em exílio, como uma Lua em Capricórnio? Sua relação com a família será sempre difícil? Este tipo de questão ainda não é suficientemente formulada ou respondida pelas pessoas que estudam astrologia. Na realidade, se a astrologia fosse um conhecimento socialmente maduro, os teóricos já teriam se dedicado a estudar isto. Mas se a astrologia sequer garante o pão de cada dia para o profissional que a utiliza de maneira prática, sobrará tempo para reflexões mais a fundo a respeito da natureza dela? Os alunos serão enfastiados com este tipo de questão quando suas ansiedades os fazem querer avançar? E o professor, poderá ensinar uma astrologia que não lhe foi ensinada?
Livre arbítrio versus determinação
A astrologia é uma ferramenta extremamente avançada e precisa de diagnóstico da alma, do núcleo de algo, mas, devido às questões metafísicas ligadas a ela não estarem sendo respondidas, ela acaba sendo sub-aproveitada. E quando se fala em ‘questões metafísicas’ está se falando de conceitos como destino e livre arbítrio, que são filosoficamente muito desafiadores de serem pensados. Há algum tempo, vem se valorizando uma ‘astrologia de livre arbítrio’, mas não se pode esquecer que o céu, em boa parte, determina. Na medida em que define, também determina. Por outro lado, o conhecimento que se tem dos fatos liberta. A astrologia convive o tempo todo entre estes dois extremos, do determinismo e da liberdade. Erra-se quando se pratica uma astrologia muito determinista, mas também quando se tenta ignorar os fatos, que acabam por se impor por si próprios.
“Astrologia de características”
A astrologia é conhecimento amplo, mas muitas vezes é praticada de forma pobre. A própria ‘astrologia de características’ seria um exemplo de baixo aproveitamento, pois o que adianta dizer a um indivíduo que o mapa dele revela que ele é inseguro sem usar o próprio mapa para se investigar as causas disso, ou se buscar possíveis soluções? Ou o que adianta a ‘astrologia de elogios’, uma subdivisão da astrologia de características, bastante comum na análise de mapa de artistas e celebridades, que ressalta as qualidades do indivíduo, e nada faz mais do que isto? É esta mesma astrologia dos textos dos softwares, atualmente distribuída gratuitamente (ou a preços muito baixos) através de sites na Internet.
Para que saber do próprio mapa natal?
Mas como não banalizar, não limitar, a astrologia? Para começar a cercar melhor esta questão, façamos uma pergunta: para que saber do mapa natal? Se há uma função que o conhecimento do mapa natal cumpre, nos primeiros estágios de contato com a astrologia, é a de fornecer explicações e justificativas. Esta primeira utilidade do mapa natal tende a ser criticada no meio astrológico. Critica-se a postura de se dizer: ‘eu tenho Marte em Touro, logo, demoro mesmo a reagir’. O que na realidade se critica é que se fique preso a comportamentos por se saber os posicionamentos do mapa. Entretanto, em um primeiro momento, é libertador se saber como se é e porque se é. Que bom que há uma justificativa para o fato de eu ser lento em uma cultura que valoriza tanto a rapidez! Em uma cultura massificada que dita quem você tem de ser é no mínimo revelador descobrir que você pode ser ‘quem sempre foi’, ao invés de se adequar a algum modelo imposto. É libertador você saber que pode haver doze maneiras de agir para cada planeta. O impacto interior disso é imenso. É a descoberta de que se tem uma natureza única, de uma individualidade. É a ‘permissão’ para se ser quem se é, APESAR do que diz a sociedade. Embora muitos astrólogos critiquem, com razão, que se fique preso a este tipo de justificativa, como se não se pudesse, às vezes, se agir de um outro modo, a verdade é que, em um primeiro momento, o mapa tem a função de firmar um senso de IDENTIDADE. A numerologia dará isto através de um número, ou de alguns números, mas a astrologia cumprirá esta tarefa fornecendo uma quantidade espantosa de dados que ajudarão a firmar a própria identidade. Qualquer astrólogo ou estudante avançado de astrologia sabe que não teria a mesma noção de quem é SEM a astrologia. A astrologia, portanto, interfere muito claramente na vida de quem se aprofunda em estudá-la.
À medida em que o conhecimento astrológico avança, este senso de identidade passa a se apoiar em cada vez mais dados. Suponhamos, por exemplo, que você só saiba algo sobre o seu Sol e o seu Ascendente. Se você avançar neste conhecimento, formará uma ideia mais complexa e variada de sua própria natureza, reconhecendo as inúmeras facetas que tem dentro de si mesmo. O mapa lhe permitirá refletir a respeito de quem você é em suas várias partes, em suas várias subpersonalidades. E este mapa, ao longo da sua vida, será uma fonte contínua de informações a seu próprio respeito, não importa que você tenha 40 anos de astrologia. Você estará sempre e sempre descobrindo algo. O mapa natal funcionaria, portanto, como uma espécie de espelho de si mesmo. É um espelho cujos detalhes vão se compondo na medida em que você reflete sobre o que este mapa quer dizer. Além disso, o seu entendimento sobre o seu mapa vai permanentemente reconstruindo a sua identidade. É por isto que as perguntas ditas ‘filosóficas’ (ex: um planeta em exílio será indício de infelicidade na área que é regida por ele?) vão ser de fundamental importância aqui. A sua visão da astrologia é a visão do seu mapa. De qualquer mapa. Fica fácil de constatar que se você não compreende a própria astrologia, o que ela é, para que ela serve, como ela funciona, como deve ou ser utilizada, isto vai se refletir na maneira como você olhar para o seu mapa e para você mesmo.
Você usa o mapa para pintar seu retrato, e para se reinventar
Você usa, portanto, o mapa para compor o seu próprio retrato, ao mesmo tempo em que o retrato que você pinta a seu próprio respeito lhe permite leituras renovadas de seu próprio mapa. Assim, a fase da justificativa (muitas vezes, de fato, limitadora), de usar o mapa para dizer ‘tenho Ascendente em Peixes, logo serei enganado a vida inteira’ é apenas isto mesmo, uma fase, se você enxergar o mapa como o espelho através do qual vai olhar a si mesmo. E se refazer. A partir desta visão, o potencial do mapa natal será infinito. Haverá algo ‘escrito’ a seu respeito, mas a sua própria leitura será tão importante quanto aquilo que estiver sendo analisado, pois você fará escolhas a respeito de COMO utilizará um determinado aspecto ou posicionamento.
Somos infinitos
Segundo a visão que a astrologia é um ‘meio para algo’, e não um estudo que define, cristaliza e aprisiona, o mapa é instrumento que permite, continuamente, que você alcance o ser infinito que você é. Ele nunca é estático, porque, na medida em que você foi crescendo em compreensão a respeito dele, ele vai lhe revelando outros níveis de si mesmo. Há muito a explorar em cada mapa. Não existem limites para estes níveis. Inclusive, é preciso que se diga que determinadas leituras somente a pessoa pode fazer. Os astrólogos certamente leem seus próprios mapas com uma riqueza e profundidade que não leem os de seus clientes (embora possam enxergar mais claramente aonde o outro está perdido, não sendo tão objetivos consigo próprios), e não porque sejam incompetentes, e sim, porque estão em contato direto com o símbolo que lhes diz respeito, além de serem dotados para entendê-lo.
O mapa natal funciona, portanto, como uma espécie de portal permanentemente aberto para o seu próprio interior. E o mapa será aquilo que você quer que seja. Se sua concepção de mundo é fechada e determinista, será assim que você enxergará o seu próprio mapa. Por esta razão, você precisa primeiro decifrar a astrologia, para depois decifrar a si mesmo. Ou fazer ambos os processos ao mesmo tempo. O que não é possível é ter uma ideia vaga do que a astrologia seja e entender o próprio mapa. Faltará algo.
Quebrando ciclo de repetições
O mapa é um fornecedor contínuo de informações. A informação, por sua vez, tem o supremo papel de combater a inconsciência. É somente a informação que quebra o ciclo de repetições em que tendemos a nos enredar. Quando, por exemplo, você diz a alguém que tem Vênus aspectada com Plutão que seus amores podem ser excessivamente compulsivos, dolorosos, destrutivos, você está, na realidade, dizendo: ‘pense se você quer isto’. Quando você completa afirmando que ela muitas vezes se envolve em jogos de poder (com vítimas e carrascos), você está levando a ela uma informação sobre si mesma, a respeito da qual ela terá de refletir. Quando ela se vir novamente defrontada com este tipo de dinâmica, ela terá a possibilidade de escolha, porque em algum lugar ela aprendeu a respeito dela. Pode fazer o que sempre fez, mas também pode fazer diferente, porque agora dispõe de um dado que antes não participava da sua consciência.
A astrologia possibilita que você consiga acessar o interior de alguém com um simples mapa. Haveria alguma outra forma de conhecimento capaz de proporcionar uma informação tão rápida, e com tamanha precisão, quanto um mapa? O mapa abrevia o tempo, vai direto ao ponto. Lá está o símbolo que necessariamente sabemos que TERÁ A VER com a pessoa. Em algum nível, ele se materializará. Talvez não seja no nível que foi sugerido, mas ele existe de algum modo, e trabalha-se com esta certeza. Um símbolo lhe dá a certeza da existência de algo. Já se deu conta disso?
Devolução da dimensão mágica ao mundo
Aqui retornamos ao terreno metafísico. A astrologia devolve ao mundo a sua dimensão mágica. É impossível se estudar astrologia sem se modificar a compreensão de mundo. A astrologia interfere irrevogavelmente nas crenças. Em um mundo que perdeu a conexão com o divino, a astrologia pode ser a ponte para se reconciliar com ele. Embora com o tempo seja banalizado e não percebido, há algo de excepcional que uma simples mandala já tenha previamente todas as chaves. A mandala é um testemunho de que há uma lógica para este mundo, que as coisas não são aleatórias. A mandala é, simplesmente, a prova irrefutável disso. De um universo não aleatório, e que, portanto, deveria acionar nas pessoas que estudam astrologia a noção de não gratuidade de suas ações e da sua própria vida. A desimportância que o mundo dá às atitudes do indivíduo, o qual, sentindo isto, torna-se livre para praticar todas as barbaridades, é refutada pela astrologia. Se há um universo que é capaz de produzir uma mandala repleta de informações, este universo não pode ser aleatório, e nada do que você disser ou fizer também irá sê-lo. Só que você não irá perceber isto se não estiver consciente do significado da astrologia, e, como já falamos, a forma como as pessoas começam a aprendê-la, e o fato de ela ter sido desprezada como conhecimento, quase sempre dificulta que se perceba o lado mágico da astrologia. Fica-se fascinado por ele, mas ainda mais fascinado com aquilo que de prático pode-se aprender. Querer saber algo prático é perfeitamente natural, e todos nós começamos desta maneira. O problema é se restringir isto e descartar todo o restante que a astrologia pode representar.
Sua vida nunca mais ficará igual se você realmente adentrar no palácio da astrologia. A partir deste momento, será iniciada uma jornada em que o símbolo intermediará e amplificará o contato consigo mesmo. O contato com este símbolo, se for bem utilizado, fará com que a sua viagem passe a ser cada vez mais para dentro de si mesmo. Você não mais se guiará por concepções externas, condicionamentos, porque terá o seu próprio guia, que será o seu mapa. O seu mapa irá levá-lo a sua verdade, o que fará de você um ser livre, não mais tendo de obedecer ao externo, mas somente ao interno, ou ao mais profundo de você mesmo. Este seria o uso final do mapa astral. O primeiro é a simples constatação de que ‘você é como é POR ALGUM MOTIVO’. E o último é o aprofundamento disso em todas as suas conseqüências. O mapa nos leva, portanto, já desde o início com o contato com a nossa própria singularidade. Entenda que nada é igual a qualquer coisa. Não existe ser humano igual a outro. Então, o contato com a própria singularidade não é pouco. O mapa é a descoberta desta singularidade. Mesmo no caso de gêmeos, a singularidade não residiria apenas no mapa, mas no que se faz dele. E, através da astrologia, vai se penetrando cada vez mais nesta singularidade, a qual precisa ser exercida conscientemente.
Achamos que a missão de cada homem é fazer, ter, mas a missão de cada ser humano é apenas poder ser quem é, exercer seu próprio eu, seus próprios potencias, criativamente. Se pensa que isto é fácil, lembre-se que a maioria das pessoas se esconde por detrás de comportamentos, ideias e até sentimentos que não são seus. A astrologia, portanto, encaixa-se maravilhosamente na missão de devolver ao indivíduo ele mesmo. O que quase sempre não se alcança nela é a sua flexibilidade. A astrologia permite mil ângulos. Muitas vezes, torcemos o nariz para alguma teoria nova, mas uma teoria nova é só mais um ângulo. É só mais uma possibilidade de se enxergar o mesmo mapa. Se esta possibilidade levar o indivíduo a se reinventar, o potencial da astrologia começará a ser utilizado. A astrologia não foi feita para encarcerar o indivíduo, como era no passado, e sim, para, como um cristal, ser capaz de refletir a luz várias vezes, que são os muitos níveis em que se pode viver um mapa, ou uma informação astrológica.
Artigo originalmente publicado na na revista brasileira ‘Stars Talk’, número 4, editada por Lizzie Rodrigues (lizzierodrigues@terra.com.br).